segunda-feira, 23 de maio de 2011

Vida!


Ensinam-nos que o medo é um sentimento natural e necessário para que sejamos prudentes frente a perigos que possam prejudicar nossa vida. E o da morte?  Segundo Joanna de Angelis, o medo da morte resulta do instinto de conservação que trabalha a favor da manutenção da existência. Acredito que foi esse sentimento que levou Kátia a desafiar o câncer. Durante dez anos, os dois travaram uma luta titânica. A cada batalha, vitórias e derrotas. Alternância de sentimentos. Um dia, certeza da cura, coragem; no outro, desespero, abatimento. Na maioria, solidão.

A minha amiga de infância sempre foi idealista. Construiu uma carreia profissional, casou-se, teve filhos. Uma vida tranqüila, diria eu. Até que surgiram os primeiros sintomas da doença, rouquidão, voz falhando. Numa ensolarada manhã de outubro de 2001, veio o diagnóstico: câncer na garganta. O que fazer? Filhos pequenos, marido iniciando novo empreendimento, ela acabara de aceitar um desafio profissional. A família cheia de planos e projetos.

A primeira providência foi ter uma conversa franca com Deus. O lugar escolhido, o mar, já que a fascina e amedronta. Conta Kátia que ralhou com o Pai, indagou a razão do castigo, questionou Sua bondade, reclamou a injustiça da doença. Foram horas de questionamentos, sem esquecer os xingamentos e gritos até perder voz, o que a fazer calar. Depois, o choro, desespero. Já mais calma e sem nenhuma resposta, precisava decidir o que fazer. A primeira, esconder da família o acontecido. Enfrentaria sozinha aquela via-crúcis.

Aos 37 anos iniciou o tratamento. Quimioterapia, vômitos, dores, indisposição. O pior, a dúvida: quem sairia vencedor. Continuou trabalhando, dando atenção aos filhos, maridos, casa. Escondeu a sua dor da família e conhecidos. Nos momentos mais difíceis recorreu a dois queridos e leais amigos. Com eles chorava o medo da morte, abandono de seus pequenininhos. Em casa, continuava alegre, estressada, mãe, mulher.

A primeira vitória veio quase três anos depois, após cirurgia em São Paulo, procedimento que se submeteu sozinha, sem a companhia de um parente ou amigo. Dizia não querer preocupá-los. Egoísmo? Talvez, responde ela, mas queria poupar os seus do sofrimento. Mais sessões de quimioterapia, remédios fortes e lá estava ela curada. Diagnóstico confirmado. Alegria e alívio.

Quatro anos depois, a vida teima em testar sua coragem e fé. Parece que o câncer se compraz daquela teimosa mulher e volta. Desta vez, nas cordas vocais. Novamente Kátia decide enfrentá-lo sozinha. Desmaios no meio da rua, vômitos à noite, correria ao hospital, profunda tristeza. Em meio à batalha diária o acaso quis ou a vida escolheu que cruzasse o seu caminho um novo amigo, de quem recebeu apoio e incentivo. Diz ela que também muitas ralhações por não compartilhar aqueles tristes momentos. Há um mês, Kátia me ligou avisando que recebera a contraprova dos exames. Estava novamente curada. Agora, diz, é esperar o que a vida lhe reserva. 

Um comentário:

  1. Kátia é sem dúvida uma vencedora. Duplamente triplamente, inestimavelmente. Difícil julgá-la se foi "egoísmo" ou não guardar para si algo tão delicado. Cada pessoa teria a atitude que considera ser a mais acertada naquele momento. Eu faria completamente diferente: queria todos que me amam perto de mim, pra dividir comigo esse "fardo".

    Maravilhoso ler tantas belas histórias no teu blog. Já sou visita diária por aqui. Que venham mais Kátias, Angelinas, Margaridas, Suzanas, Lúcias, Floras... Em cada uma delas, um pouco de nós. Em cada uma delas, a força da mulher. Em cada história, um aprendizado.

    Obrigada, Suzete Maria!

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