sábado, 21 de maio de 2011

Generosidade!


O prêmio Nobel de Literatura Gabriel Garcia Marques diz que não há no mundo melhor e mais belo ofício que o jornalismo. Concordo como o mestre colombiano. Ao jornalista é permitido conhecer pessoas, acompanhar os seus dramas, alegrias, ideais, frustrações.... Em alguns momentos, somos convidados a entrar em suas vidas, participar de suas histórias. Viramos confidentes. Entre uma entrevista e outra nascem amizades para toda existência. E foi o que ocorreu comigo e Angelina.

Conheci a jovem senhora em uma matéria sobre crianças com câncer e o desprendimento de homens e mulheres que doam parte de seu tempo amenizando o sofrimento de famílias com filhos e filhas portadores da cruel doença. Na época, Angelina dava os primeiros passos solidários. Falante, brincalhona, chamou logo a atenção. Pedi uma entrevista. Conversamos por horas sobre o trabalho na instituição, a importância da caridade, o prazer de servir... Perguntas difíceis, respostas rápidas. Uma tarde de aprendizado. No final, estávamos nós rindo, brincando.

Convite para conhecer a instituição. Retorno várias vezes. Ficamos amigas. Admiração mútua. O que mais me chamava à atenção era a sua alegria em meio ao sofrimento. Sobre ela, pouco falava. Pensava eu, deve ser uma mulher muito feliz, ter uma vida de realizações.

Tarde de sábado, festa para os pequeninhos. Angelina anda de um lado para outro. Atende aos chamados das crianças, participa das brincadeiras, serve bolo, guaraná, conversas com as mães. No vai e vem percebo que não sorri. Terminam as comemorações, todos vão embora, ficamos sozinhas. Hora de arrumar a bagunça. A curiosidade, despertada na infância e aperfeiçoada no jornalismo, gritou dentro de mim. O que está acontecendo?, disparei. Nada, respondeu ela, lacônica. Como nada? Insisti. Você é sempre alegre e hoje calada, com olhar triste. Neste momento entrei em seu mundo.

Aos 23 anos casou-se com o primeiro namorado, teve quatro filhos, virou dona de casa. Levava os meninos para a escola, os ajudava nas tarefas escolares, vibrava com as vitórias e sofria as suas derrotas. O mais velho foi aprovado no vestibular aos 18 anos. Seria engenheiro civil.Seria, porque aos 20 uma bala disparada a queima roupa o levou para a pátria espiritual.

Angelina passou quase cinco anos entre delegacias de polícia e reuniões com secretários de Segurança Pública à procura do assassino do filho. Muitos questionamentos. Anos a fio duas perguntas a torturava: quem o matou e por quê? O jovem não tinha inimigo, não era envolvido com drogas, não participava de gangues e não havia discutido com ninguém. No dia do crime o bandido não anunciou assalto ou levou seus pertences. Simplesmente apontou a arma para sua cabeça e disparou.

O reconforto, encontrou na solidariedade. Primeiro, das mães e pais que perderam os filhos de forma brusca e violenta. Depois, nas crianças atendidas pela instituição. A tristeza é amenizada nas vitórias dos pequenos pacientes. Entre lágrimas, a minha querida amiga diz que perdoou o assassino de seu filho, mesmo sem saber quem é. Quando a saudade aperta, ela corre para atender os meninos e meninas que bravamente lutam pela vida.

Naquele dia, seu filho estaria fazendo 28 anos. A prole já está encaminhada. Os dois mais velhos se formaram, casaram. Um é engenheiro. O outro, educador físico, deu a Angelina uma linda netinha. O caçula está com concluindo o curso de Direito. A vida continua. O sofrimento amenizado, mas a saudade continua no coração generoso da mãe.  

2 comentários:

  1. Su, outro dia lembrei dela e imaginei como estaria. Bom saber indiretamente notícias desta grande mulher. Angelina é um exemplo de transformar a dor em luta. Conhecê-la pessoalmente e conviver, mesmo que poucas vezes, através do seu intermédio, foi mais um presente que a nossa amizade me proporcionou. Obrigada!

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  2. O Padre Fábio diz que uma das lutas mais difíceis para quem perde uma pessoa querida, é conseguir deixar o passado passar e transformar essa perda em ganho para alguém. Percebo que sua amiga pratica o evangelho todos os dias, sem sequer se dar conta.

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