segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Grande família!


Vô Manoelito e vó Mundinha nas Bodas de Ouro

Minha família adora se reunir, estar sempre junta. Tudo é motivo para encontros. Nas datas comemorativas, dia das Mães, Natal, aniversários, Semana Santa, carnaval, batizados, casamentos, separações, desencontros. Lá estamos nós, unidos, discutindo, falando alto, brigando, chorando, rindo, fazendo algazarras. Parecemos nós a inspiração para Dudu Nobre. “Esta família é muito unida e também muito ouriçada. Brigam por qualquer razão, mas acabam pedindo perdão...”


Alguns festeiros, outros recatados, mas presentes. Meu pai era o mais animado de todos. Inventava de um tudo para reunir amigos e parentes. Churrasco, forró, banhos no açude, almoço que se estendia até o jantar e, para alguns, o café da manhã. Dançava ele o dia inteiro entre um gole e outro daquela cervejinha gelada. Minha mãe o acompanhava nos passes de xote, na atenção aos convidados.


Para meu pai, festa boa só com muita gente, a casa cheia. Felicidade para ele eram os filhos, netos, genros, nora, irmãos, cunhados, sobrinhos, parentes e aderentes reunidos. Com a sua partida para a pátria espiritual, coube a um primo-irmão assumir a tarefa para o ajuntamento familiar.


Mas, o melhor da festa é na casa de meus avós Manoelito e Mundinha. Tudo é motivo de desculpas para arribarmos até Saboeiro. Uns vão de Fortaleza, outros de João Pessoa, Recife, Altino, Crato. O importante é chegar a tempo para os quatro dias de Semana Santa. Tiram-se alguns minutos para reza e o restante é cadeiras na calçada, conversas, discussões, risos, brincadeiras, matar a saudade. 


Cabe a filha mais velha do casal receber os hóspedes, entre 50 e 70 pessoas. A parentada  se delicia com a melhor bacalhoada da região, o manjar dos deuses, o pão de forno, o cajá-umbu, milho assado na brasa, a canjica. Ah, e não vale esquecer o doce de leite, de banana, de mamão, a galinha à cabidela. Ninguém perdoa. Todos querem as iguarias. São dias de comilança, acompanhada de vinho.


Na casa de meus avós, a bebida dos deuses nunca falta. Foi lá que aprendi a degustar o vinho. Ainda na minha infância e adolescência, vó Mundinha preparava para os netos, o que chamava de suco de uva. Mistura de vinho, água e açúcar. 


De todas as festas, a que mais me emociona são as Bodas de Ouro de meus avós. Tinha eu 14 anos e guardo na lembrança cada momento da renovação do amor vivido por 50 anos. Na cerimônia religiosa na Igreja Matriz de Saboeiro, os dois trocavam olhares de cumplicidade e promessas de novos sonhos. 


Pareciam eles dizer um para outro que já choraram, sofreram, mas acreditaram. E essa fé os levou ao altar de Nossa Senhora da Purificação para declarar que vão se amar enquanto houver vida entre eles.


E se amaram. Dez anos depois, estavam eles comemorando Bodas de Diamantes. E novamente renovando o ouvir o coração chamando pelo outro. Promessas de amarem-se na alegria e na dor. Entre eles não havia mistérios.

domingo, 28 de agosto de 2011

Tempos felizes



A mais encantadora calçada do mundo. Da casa de meus avós Manoelito e Mundinha
 
 Ainda hoje, em Saboeiro, o tempo teima em não querer passar. A televisão, internet, as motos gritando ladeira acima, ladeira abaixo, não conseguem competir com o marasmo da cidade. As pessoas continuam se esgueirando pelas esquinas, tentando se esconder do sol escaldante ou seria da própria vida? Dos tempos de minha infância, pouco mudou na rotina de sua gente. Os mais velhos teimam em manter o costume.

Enquanto o sol se põe no horizonte, mulheres e homens iniciam o ritual diário das cadeiras nas calçadas para acompanhar o vai e vem de crianças, adolescentes, das fofocas das comadres.  O jantar pontualmente às 17h30 para aproveitar, ao máximo, o presente divino da lua cheia, minguante, crescente, nova. Do céu estrelado anunciando a vida. Embalar-se no “ventinho de Aracati”. Da “boa noite” no sobe e desce de fiéis para a missa das 19 horas.

No entanto, do tempo de minha infância perdeu-se a inocência, as noites na pracinha Monsenhor Manoel Cândido, as tertulhas no Mercado Público, as serenatas na soleira das janelas, as paqueras entre um mergulho e outro nas águas do rio Jaguaribe, nas brincadeiras na loja da Socorro, dos guisados, piqueniques.   

Trocaram o rádio, orgulhosamente instalado na parte mais nobre da casa, pelo aparelho de TV. Abandonaram os cavalos como principal meio de transporte. Hoje, as meninas moças tentam imitar o estilo de vida de Xuxa, Angélica, Eliana, Ana Hickmann, Adriana Galisteu, Luciana Gimenez. Imitam suas roupas, trejeitos, gostos e equívocos. Seria o progresso chegando? Qual nada. É o lado negativo da globalização, que levou à pacata cidade a droga, prostituição.

Saudosista, prefiro a terra de minha infância e adolescência. Sábado era sempre um alvoroço. A cidade acordava cedo com o som dos carros que chegavam de outras paragens para a feira. Anunciavam o feijão verde colhido dias atrás, as melhores frutas e verduras vindas diretamente do Cariri. As alvejadas redes de tear feitas por mãos calejadas de mulheres e homens da cidade pernambucana de Caruaru eram anunciadas como as mais fortes do mundo.

Era uma gritaria só. A poluição sonora transformava a calmaria da cidade em uma grande farra. E para lá corriam meninos, adultos, velhos. As mulheres escolhendo os melhores produtos, enquanto os maridos faziam os negócios. As crianças apreciavam as guloseimas vendidas nas bancas montadas nas ruas do mercado, e os adolescentes aproveitam para as paqueras, intrigas, travar novas amizades. Fim da manhã, o grupo de jovens se reunia na lanchonete para conversar, beber, namorar. Estava eu sempre ao lado de minha irmã e algumas primas contando piadas, causos.

Saudades daquele tempo que volta sempre nos reencontros com os primos e amigos de infância. No almoço do último domingo, 21, quando nos reunimos com os irmãos de minha mãe e seus filhos, vivemos novamente a adolescência em Saboeiro nas lembranças das histórias ali passadas. Cada um de nós, puxando um fato e outro. Alegria de reviver tempos felizes.

Beth: vida intensa!

Ao ouvir Reynaldo Gianecchini falar sobre a quimioterapia como “tratamentinho” fiz uma viagem ao passado. Revi a querida amiga Beth, que por quase dez anos lutou contra o câncer. Na mama, nos ossos, no pulmão e rim. Foi derrotada pela doença e há cinco anos partiu para a pátria espiritual. Mas, ao contrário do que se pensa, foi vencedora, guerreira. Venceu o medo, desespero, a revolta.

Agarrou-se à vida, viveu intensamente as horas, minutos, segundos. Teve as pessoas ao seu lado por puro prazer da alegria e de fazê-las feliz. Tenho um orgulho danado da minha amiga. Nunca se maldisse ou fez queixumes da situação. Acredito que buscava forças no amor a única filha adolescente e ao marido, a quem devotava todos os momentos de seu tempo.

Serena, estava sempre sorrindo, prestativa. Nem os momentos mais difíceis, as dores, diagnósticos, tratamento, o cateter, as agruras a impediam de fazer planos. Parecia ela viver o tempo de Mário Quintana. "Se me fosse dada um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas".

Recordações felizes daquela mulher bonita, alta, pernas bem torneadas, olhos verdes, sorriso encantador. A dignidade com que encarava a doença me impressionava, instigava. Quase todos os finais de semana estávamos juntas. Sempre em festa, muito dificilmente no sofrimento. Porque Beth era alegria, parecia ela rir dos problemas, lutava pela saúde, abandonou o medo muito cedo.

Viveu os momentos, sentiu o prazer e a dor do viver. No sítio em Cascavel, nas descobertas de novos restaurantes nas noites de sábado, sol e mar na barraca Arpão, sua preferida, ou nas reuniões madrugada à dentro lá em casa, brindadas com vinho. Conversas sobre família, maridos, filhos, roupas, trabalho, planos, muitos planos fizemos juntas. Quase nunca se falou sobre a doença.

Parecíamos ter feito um pacto silencioso. O câncer só entrava em nossos encontros quando abdicávamos da taça de vinho (quando ela era impedida de sorver a bebida dos deuses por determinação médica, e eu me sentia também proibida. Passávamos a noite a pão e água) ou quando minha amiga não suportava ficar muito tempo sentada. Lá estávamos nós andando entre as mesas da pizzaria, restaurante, como que vigiando os clientes.

Beth vivia intensamente a filha adolescente, recém ingressa na universidade.  Sofria a sua dor, ria a sua alegria, sonhava os seus sonhos. Feito duas meninas, iam juntas ao salão de beleza, às compras, à praia. Conversavam. Pareciam elas duas em uma. Com o marido, sempre atenta para servi-lo. A comida que ele gostava, preparava sua roupa em cima da cama, buscava a toalha, a sandália. Ajudava nos preparativos dos aperitivos, levava a cerveja para que não precisasse sair da piscina. Sempre sorrindo, alegre.

Assim era minha amiga. Sempre presente. Talvez por estar próxima,servindo, esqueci eu de lembrar a essa criatura maravilhosa que é proibido deixar os amigos.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Bonequinha de pano!


Era uma vez um jovem casal com um filho que muito desejava uma menina. Os pedidos tornaram-se alegria, vida. Em uma ensolarada manhã de sábado de 1993 chegava aos braços da mãe a irrequieta criança. Gorducha, olhos suaves, choro forte, cabelos pretos. Parecia ela uma das bonequinhas de pano criadas pelas delicadas mãos de minha avó Mundinha, que encheu minha infância de fantasias.

Filha de minha vida, fruto de meu corpo, libertou-me de uma vida mesquinha, que eu tinha e dizia ser só minha. No primeiro encontro, a menina reforçou o meu destino mais precioso e criativo, o de ser mãe. Minha liberdade, que eu pensava perdida, ganhou novo nome: felicidade.

Do pai, ficou um pouco de tudo na criança, que hoje se faz moça. Um pouco de seu queixo ficou no queixo da filha. De seu sorriso, a certeza do caminhar. De seu áspero silêncio, um pouco ficou quando seus apelos não são atendidos. As explosões de sentimentos, zangas e esquecimentos das mágoas, também ficaram na menina alegre e criativa.

Com ela, a casa é sempre alvoroço. Festa, risos, reclamações, batidas de portas. Mariana não aceita tranqüilidade. Tudo é muito intenso. Estudo, balé, amizade, companheirismo. Exige sempre atenção, talvez por estar sempre à disposição dos que a cercam e dos que acaba de conhecer.

Nos passos de demi-pilé, pointe tendu, passé, sissine, pás debourrée, plié expressa a alegria do viver. Feito pássaro tímido, ensaia os primeiros voos sem medo, e a sonhar o sonho dos adultos. Seus braços se enchem na solidariedade, no sorriso das crianças carentes que assiste nas tardes de sábado. Mariana voa no afeto a avó Lúcia, na entrega aos dois irmãos, no carinho das primas, na cumplicidade com a mãe.

De temperamento forte e doce, aceita o papel de conselheira das amigas. Talvez explique a escolha por estudar a psicologia social e humana e desbravar os pensamentos de Sigmund Freud, Gustave Le Bom, Carl Gustav Jung ou Wihelm Reich. Tentaria ela decifrar o outro para se perceber melhor? Ou seria o sentimento de desprendimento e amor ao outro que sempre a motivou?

Mas não se enganem. Nada de imposição. Que o diga a babá Vanisa, sempre questionada em suas ordens. Muita pequena, já incentivava Victor, o irmão mais velho, tímido e obediente, a rebeldia contra a "tirana" babá.

-Ela não é nossa mãe. Não obedece a ela, não.

Disparava a rebelde no alto de seus seis anos quando ao irmão era imposto comer verduras e frutas indigestas para as crianças, fazer as tarefas escolares, guardar os brinquedos, e tantas outras determinações. Mas, a teimosia logo se dissipa com o afago no olhar. Mariana é vida, sonho, alegria. É a expressão de Deus em nossas vidas. É no nosso caminhar .

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Nos tempos da felicidade!

Eu era feliz, atrevida, valente. Aceitava as provocações que a meninice me impunha ou seria eu que desafiava a normalidade da casa? Infância de desafios, conquistas, brincadeiras. Miúda, pernas finas, traquina e irreverente, nunca chorava, sempre olhando os adultos nos olhos. Em resposta, ralhos e castigos.

Trabalho imenso dei à família para me torcer, retorcer, medir e desmedir. Descobri, fui descoberta, cai, levantei, cai de novo e, novamente de pé. Domada, só pelo escuro da noite. Acreditava eu no poder da luz para afastar os fantasmas que teimavam em me perseguir madrugada à dentro. Venci. Fui livre. Vivi em liberdade.

Minha infância em Saboeiro foi rica em experiências. No desejo inquieto que não passa, enfrentava um novo desafio, nova conquista com bom humor e otimismo. Nas aventuras, sempre a companhia da prima Adailta, hoje comadre. Semelhantes a Dom Quixote de La Mancha e Sancho Pança, lá estávamos nós no limite entre fantasia e realidade, desdenhando a caça, pela doida aventura da caçada. Saíamos de uma para outra com a mesma intensidade e rapidez que trocávamos de roupa. Na maioria das vezes, impunes.

Diferentemente da maioria das amigas, as brincadeiras de casinha, bonecas e dona de casa não nos atraia. Enfrentar as correntezas do rio Jaguaribe, andar quilômetros a pé para fazer guisados, aperrear as mais ingênuas, jogo de cartas, estes, sim, nos empolgavam. Não poderia ser diferente. Exigiam perspicácia, coragem, atrevimento. Era a volúpia de viver dia a dia, hora a hora.

Por dias, investimos o tempo para infernizar a vida de seu Fransquinho, vigia do Grupo Escolar Olavo Oliveira. O homem cumpria rigorosamente as ordens da diretora Zuleide, minha tia, que proibiu crianças nas janelas do prédio. Enquanto à tarde, lenta, caia, lá estávamos nós descumprindo a determinação, para desespero do pai de duas amigas. Saia ele com ameaças e xingamentos tentando nos amedrontar. Efeito contrário, instigava. Minutos de correria, gritos, gargalhadas e o pobre homem, desesperado e esgotado, desistia.

Satisfeitas e vitoriosas, procurávamos outra brincadeira. Aquela perdera a graça, não se estendia mais que alguns minutos. O negócio era investir em outra vítima. As preferidas, Maria Dolores e Dinorá. De vez em quando, Helânia e Marta viravam “pato” no jogo de buraco. Sempre em dupla, vencíamos, eu e Adailta, todas as partidas de baralho, graças às armações. Desespero e indignação entre as adversárias. Horas de reclamações, intriga, ofensas. Nada nos atingia.

Éramos a personificação da boneca Emília, criação de Monteiro Lobato. Valha-me Deus! Birrentas, rebeldes, queríamos diversão. Nada melhor que Dinorá, menina religiosa, cheia de manias e medrosa. A todo instante recorria a Nossa Senhora da Purificação para não cruzar com uma vaca, não se afogar, chegar a casa ilesa, não cair... e lá vai. Em troca, promessas de rezar um terço de joelhos, assistir não sei quantas missas, passar dias com roupas de cor tal.

O drama da coitada é que nos incluía no pagamento do prometido. Adailta saia logo avisando: “não vou pagar promessa nenhuma”. Desespero para Dinorá, que acreditava ser a proteção para toda a turma. A resposta vinha nos banhos nos Caldeirões. A atraíamos para a pedra mais distante das margens do rio Jaguaribe em um lugar fundo. Bastava ela chegar ao local, após vencer o medo de afogamento e várias braçadas, eu e Adailta mergulhávamos de volta ao raso e nos despedíamos. Era um tormento. Grito, choro e pedidos de socorro.

Com Maria Dolores, as pequenas maldades eram perdoadas sempre no fim da tarde, sempre com meu pedido de desculpas. A amizade era selada, todos os dias, com um prato de sopa, preparado por sua avó, minha referência de vitalidade. Mulher alta, magra, cabelos compridos preso em um coque na nuca, dona Cristina era força e beleza. Nas horas de folga, brincava com as cartas de baralho acompanhada por prazerosas baforadas de cigarro de fumo.

Saudades da criança e do tempo em que ninguém me dizia não ser capaz.

sábado, 6 de agosto de 2011

Viagem ao desconhecido

As bibliotecas têm muito mais que conhecimento. Além de abrigar a história da humanidade, têm histórias de pessoas anônimas que não viraram personagens de livros. A partir do momento em que temos contato com a vida desses desconhecidos, um novo mundo se descortina. 


Aconteceu comigo. Folheando um livro sobre a imprensa cearense no século XIX, na Biblioteca Público Menezes Pimentel, encontrei uma carta de amor, que guardo como relíquia. A história até hoje mexe com meus sentimentos, pois aguça a curiosidade de saber o que aconteceu com seus personagens, se a viagem foi realizada.

Por algum tempo tentei localizá-los, mas creio não ter tido a mesma persistência da romântica Sophie, em Cartas para Julieta, que ao encontrar a declaração de amor de Claire a Lorenzo, promoveu o encontro dos dois, 50 anos após a carta escrita. Talvez por não estar na cidade italiana de Verona, cenário de amor descrito por William Shakespeare em Romeu e Julieta.

A carta-declaração é um convite ao indecifrável e irracional mundo dos apaixonados, da arrogância de acreditar ser dona do sentir e da vulnerabilidade da paixão. “Um dia, desprevenida, a rainha de Sabá sucumbiu. Apaixonei-me por você. Confesso que lutei e relutei muito contra esse sentimento, mas a cada dia você fica mais forte dentro de mim. Não consigo dominar a vontade de vê-lo, de estar em seus braços, sentir os seus lábios, me perder em seus beijos”. declara a amante.  

Atormentada, descreve as noites em claro, a dor dilacerando o corpo, o pensamento longe, buscando o amado na lua, no céu, nos sonhos. “Só o encontro dentro de mim. Quero ardentemente me entregar, ser sua por inteira”. Em outro trecho, garante não ter sentimentos de culpa, medo de ser magoada ou magoar,  não ser frágil e nem forte, mas uma mulher apaixonada por um homem, em seu olhar, encantador, guerreiro, desafiador, vaidoso, otimista. Um homem que não é herói ou salvador, apenas homem, humano.

Mais adiante, faz declaração de amor e convite ao desconhecido e ardente viver da paixão, do somar, do construir. Não se assuste, diz ela, não é um pedindo de casamento, mas convite a uma viagem instigante e imprevisível. “Uma história de doação, alegria, tesão, sexo, descobertas e compromissos somente com os sentimentos. Sem nenhuma obrigação. Essa é a minha proposta, aceita?” 


A cada leitura da carta viajo na imaginação. Em um momento, penso eu que a carta foi guardada no livro pelo amado, no desejo de dividir com desconhecidos a sua história. Em outros, que a declaração de amor nunca chegou ao destinatário e que o moço até hoje vive na inocência da paixão da mulher apaixonada. Façamos, cada um de nós, o final dessa viagem.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Viver dói!

Fim de tarde. Burburinho que se transforma em algazarra. Repórteres em pauta, muitos outros produzindo textos. Editores montando informações. Planejamento, conversas, confirmação de dados. Redação agitada vai se transformando em quase caos na medida em que as horas passam e o fechamento da edição se aproxima. Em meio a esse maluco cenário, estão lá, três jornalistas, com diferentes idades e experiências, buscando entender os descaminhos e as provas que a vida lhe impôs.

Fogem ao vizinho restaurante para digerir suas dores, mágoas, angústias, incertezas, medos. Sentimentos solvidos entre um gole e outro de café com leite, refrigerante, queijo coalho, pamonha e pão de queixo. 
As três procurando respostas para as asperezas do caminho. A mãe, fortaleza da casa, preparando sua partida sem que se possa fazer em contrário; o amor não prometido que se recusa chegar, as doenças que teimam em desafiá-la, e por ai vai... É um rosário de lamentações.

Risos, olhos lacrimejando, perguntas sem respostas. Por alguns momentos, parecem encenar o monólogo de Hamlet, preferindo gemer e suar sob o peso de uma vida fatigante, vivendo o medo do que promete o futuro, talvez temendo voar para o desconhecido.

Buscavam elas o refúgio no dizer da outra, recusando o difícil viver. A calmaria aparente ameaçava explodir em lágrimas, indignação, rebeldia. Queriam elas transmutar a realidade do bem querer que se refugia no passado, assistindo o mundo se descolorir sem interrupção de seu curso.

Ah, essas mulheres jornalistas ou jornalistas mulheres, que vivem a paixão insaciável, no dizer de Gabriel Garcia Marques, reproduziam mais um drama de Nelson Rodrigues, no epílogo que a vida muito promete e tão pouco oferece.

Retornam à redação tentando escamotear o tempo dividido, querendo-o inteiro. Mas, concluem que esse tempo não existe e viver dói, contrariando Carlos Drummond de Andrade de que o sofrimento é opcional. “Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram”.
 

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