quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Fim de um ciclo

Nesta semana, um ciclo se fechou em minha vida. Outro está começando. Após sete anos coordenando a editoria de Cidade do Diário do Nordeste, sai do periódico. Horas depois, muitas ligações, mensagens, solidariedade. Sinto-me compelida a me despedir de minha equipe, profissionais competentes, que se transformaram em grandes amigos, companheiros. Vivemos momentos estressantes, próprios da redação de jornal, mas também compartilhamentos alegrias, vitórias. Amizades se construíram naquele caos, conquistamos respeito. Com eles, somei experiências, conhecimento, a paixão pelo jornalismo.


Enviei à equipe essa mensagem, que compartilho com vocês. Minha amiga Erilene, leitora e incentivadora do blog, brincava que era feliz por não ter nascido em Saboeiro e, portanto, não ser citada nas postagens sobre as aventuras e desventuras do povo daquela cidade especial. Pois é, minha “cãozinha”, chega o dia do caçador. Você está nele com todas as letras.


Saio do jornal com a certeza do dever cumprido. Exerci a função de editora com muita dignidade, ética e respeito aos meus professores de universidade, aos mestres de batente, que me ensinaram a ser repórter, editora, jornalista, e aos repórteres, a quem muito devo. Muitas vezes, como diz Mozarly, “transformando limão em limonada”.


O jornalismo é a melhor invenção do homem. Essa bendita profissão permite, a nós jornalistas, enxergar a vida em sua plenitude. Através dela, vivemos experiências capazes de nos transformar em pessoas melhores, entendermos a realidade que nos cerca e da qual estamos inseridos. Dizem os estudiosos que o papel do jornalista é informar e servir como mediador. Concordo, mas acho que é muito mais. No fazer jornalístico, participamos dos sonhos, esperanças, desilusões, apegos, dores, amores... de desconhecidos, pessoas que muito provavelmente não encontraremos mais. Viramos confidentes, amigos íntimos, salvadores.


Com algumas fontes estreitamos relações de amizade, respeito. Aprendi, creio que vocês também, que o jornalista deve ser imparcial, narrar os fatos com precisão, sem nenhum envolvimento ou posição definida sobre o fato a ser registrado. Logo nas primeiras reportagens subverti essa orientação e nos 24 anos de redação de jornal vivi um misto de sentimentos: raiva, indignação, revolta, alegria, emoção.


Aprendi com uma mãe que passava fome com filhos, mas tinha uma dignidade de fazer inveja ao mais poderoso e ilustre ser neste planeta; chorei copiosamente, no meio da redação, a incerteza de um adolescente de 16 anos que ficou tetraplégico após receber um tiro da polícia. O garoto, viciado em drogas, estava arrombando uma casa para roubar quando foi abordado pelos policias.


Sou parcial, no melhor sentido da palavra. Se é que essa palavra tem outro sentido senão o de tomar partido. Como não me indignar com seres humanos lutando pela vida em hospitais sem a mínima estrutura de atendimento, crianças e adolescentes sendo destruídos pelas drogas, a falta de políticas públicas que assegurem o mínimo de dignidade a pessoa humana?


O jornalismo é mais que uma profissão, é mais que vocação, é mais que devoção. É puro amor. Amor ao ser humano, aos ideais libertários, de respeito, cidadania. Espero, de coração, ter conseguido passar para cada
um de vocês um pouco desse sentimento. Acredito que, na loucura da redação, consegui transmitir o pouco do que aprendi. Tenham a certeza que muito estou levando de cada um.


Da Martinha Bruno, trago comigo a sua postura contestadora, decidida. De Lina, a serenidade no fazer com competência, a calma, amizade. De Ivna, o astral leve, sincero, humano. Da Thays, a beleza do viver, do vivenciar experiências. Da Leda, o cuidado na apuração, o construir. Da Karla, a teimosia na investigação, do descobrir, do fuçar (muitas vezes vi, no seu fazer, a Suzete do início da carreira). Da Karol, o despertar do conhecimento.


Da “Gisele” Luana, a resposta afiada, a postura segura. Da Jéssica, o entusiasmo com o jornalismo, com o produzir. Do Adalmir, tenho comigo o respeito aos anos de batente, a experiência.  Do Raoni, a alegria do desabrochar de um grande jornalista. Thiago, a certeza de cruzar, anos mais tarde, com um grande profissional.  O João, o jornalista já pronto para novos desafios. Da Mozarly, pouco a dizer. A sua vida profissional fala por si só e dispensa qualquer elogio a esta premiadíssima amiga.


Não posso esquecer a bondade e a presteza da “madre Tereza” Janine, a amizade e carinho de Carlos Célio, a rebeldia da Paola, a intensidade do fazer de Ludmila, a cumplicidade da Manu. Do Marcelo, a amizade renovada a cada fechamento do jornal, a serenidade, a tranquilidade, e de Janayde, o destemor com o futuro. Transmitam ao Dinho (Raimundinho) o meu carinho e respeito pela pessoa maravilhosa que tive a honra de conhecer e trabalhar.


Peço licença para falar em particular sobre duas pessoas que aprendi a respeitar. A Marthinha, a minha sub (recém chegada à editoria), os meus mais sinceros agradecimentos pelo apoio e companheirismo. Menina
centrada, silenciosa, perfumada. Éramos, o queijo e a goiabada, o vinho (você) e a água (eu), a tempestuosidade (eu) e serenidade (você).


Deixei por último a “cão” Eri. Com ela, dividi emoções, raivas, medos, incertezas, revoltas, alegrias. Minha gente, aproximem-se mais dessa mulher. Ela é vida. Aproveitem e suguem o máximo dessa chefe de reportagem, que ama, vive, respira jornalismo. Início de relação tumultuada, culpa minha, confesso. Com o tempo, admiração mútua, respeito, companheirismo. Discussões na definição de pautas, direcionamento das matérias, acompanhamento dos repórteres. Nos momentos mais sérios e graves, olhar de cumplicidade, choro silencioso. Para arrematar, fugas da redação no meio da tarde para aliviar a tensão com macunzá doce, pão de queijo, leite, bolo de milho.


A todos, o meu agradecimento pela convivência generosa, respeito e dedicação. Um ciclo se fecha e outro está começando em minha vida com muita serenidade. Desejo, a cada um, sucesso, alegrias, realizações. Quando estiverem aperreados na redação, lembrem-se do que disse Gabriel Garcia Marquez:


“O jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade. Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte".
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