sábado, 15 de março de 2014

O dia para ser lembrado



O dia para ser lembrado




Foto: João Carlos Moura 


Como esquecer aquele 15 de março de 1994? Após beijos e abraços (muitos) nos dois filhos pequenos rumamos ao trabalho. A rotina do jornal O POVO começava cedo. Por volta das 8 horas chegamos à redação, desejamos mutuamente um dia produtivo. Saí para pauta de política e João Carlos Moura foi cobrir a visita de dom Aloísio Lorscheider, acompanhado de religiosos e integrantes da pastoral carcerária e do movimento de direitos humanos ao IPPS. Ao retornar, cruzei com o jornalista Nonato Albuquerque que chegava do presídio com a notícia do seqüestro.

João Carlos estava entre as vítimas do Carioca, o detento Antonio Carlos de Souza Barbosa. Homem de paz, que fugia de uma discussão, integrava o roteiro daquela brutalidade como um dos involuntários personagens. O momento exigia decisão. Corri para casa, amamentei Mariana, nossa filha com apenas sete meses de vida, a deixe sob os cuidados da babá, e pedi uma tia que estava de visita para ficar com Victor, que tinha dois anos e nove meses. De taxi fui ao IPPS. Chegamos rápido. Cruzei o pátio externo correndo. Queria notícia. Desejava o meu marido de volta a rotina do trabalho e da família.

Consegui entrar no corpo da guarda, após me identificar. Um dia de sofrimento. Entre orações, expectativas, informações desencontradas. Acompanhei tudo de perto. Esperança de libertação com a autorização para os presos saírem em um carro forte. O veículo passa pertinho. Observo pelos cobogós. Alguém grita do pátio interno que os 12 reféns haviam sido levados pelos seqüestradores.

Desespero, choro, amparo de pessoas que dividiam a angústia, o medo. Naquele momento, o abraço solidário de Rosa da Fonseca devolveu-me forças. As luzes no presídio são apagadas. Para onde ir naquela escuridão de medo? O motorista do jornal encontrou-me vagando naquele torpor. Trouxe-me de volta para casa, para meus filhos.

Em algumas horas, o marido, pai, filho, genro, cunhado, primo estaria de volta. O brilhante repórter fotográfico, que se agarrou a máquina fotográfica e suas lentes para levar aos leitores de O POVO imagens da brutalidade de homens que “exigem”pela liberdade, imagens que correu o mundo, deu lugar ao analista de sistema.

Hoje, percorremos caminhos diferentes. Sonhamos outros sonhos. Construímos histórias diversas, mas continuamos ligados pelos três lindos e maravilhosos filhos, com desejos de que sejamos felizes nesse novo caminhar e que aquele 15 de março de 1994 continue nos ensinando e instigando a nos libertar das ilusões mundanas e construir um mundo melhor para tantos que nos cercam e aqueles mais distantes de nossas vistas e corações.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Caravana Fraterna!


Caravana Fraterna!




O ônibus estaciona e a emoção alcança os corações dos que se achegam ao prédio simples, paredes brancas e portas azuis. Troca de afetos, desejos de boas vindas. Um ano separa aqueles seres que compartilham o sonho de amenizar a dor de cada dia que acompanha por longos anos os conterrâneos do médico dos pobres.

Em vez do estandarte dos delírios e os enfeites da louca fantasia que na festa momina surgem no pierrô da alma extasiada, 31 aceitam o convite ao amor. Há milênios são esperados para o banquete de núpcias, mas somente agora começam a despertar para o que sabiamente o apóstolo São Paulo insiste em nos ensinar:


" Seu eu tiver o dom da profecia, e conhecer todos os mistérios, e quanto se pode saber; e se tiver toda a fé, a ponto de transportar montanhas, e não tiver caridade, não sou nada”.

A maturidade refletida nos brancos cabelos de homens, a abnegação de mulheres guerreiras, jovens sonhadores, aliam-se a “algazarra” do grupo que acredita no poder da música, do gargalhar , do festejar. O bem com alegria. Naquela sofrida e esperançosa terra, o carnaval é um grande banquete de vida.

Desconhecidos, outros nem tanto, compartilham sonhos. Não sabem quem são, os planos futuros. Não trocam intimidades, não fazem perguntas sobre filhos, mulheres, maridos. Não precisam. No mundo dos quatro dias todos se entendem, de um jeito ou de outro. Trocam os confetes da ilusão, dos passos febris do coração pela festa da doação.

Corpo dolorido, alma fortalecida. Filhos da caatinga, do litoral, das luzes das grandes metrópoles, escolheram o rumo da compaixão, deixando para trás as ilusões como se fossem guerras de confete e serpentina. O olhar voltado, realmente, para a realidade. Do contrário, o cotidiano não passará de um ilusório carnaval de egoísmo, orgulho e oba-oba.

Num projeto de vida em que as pessoas são tidas e sentidas como produto, vivemos tempos não só de alegrias, mas também de tristezas. Pego emprestado Dorothee Sölle para lembrar que a presença divina nunca é presença observadora: “a presença divina é sempre dor ou alegria de Deus”.

Essa presença é sentida pela caravana de sonhadoras crianças que buscam o ensinar de Bezerra de Menezes, Dr. Fritz, Fabiano de Cristo e tantos abnegados irmãos que acreditam naquelas 31 crianças, que dão os primeiros passos em direção a maturidade espiritual.

Ah, faltou Irmã Scheilla. Não por esquecimento, mas para tomar emprestado seu ensinamento por todas as existências.

“Feliz seja, todo aquele que aqui se compraz com a dor do próximo. Feliz aquele que externa as mãos a qualquer irmão necessitado de auxílio, pois a beleza está em ser útil sempre e distante de qualquer mau pensamento, quando se trata de seu semelhante. Somos feito à semelhança de Deus, agimos com o coração feliz em qualquer circunstância, sorrindo sempre transmitindo ao outro a felicidade que temos. Interessa em ti, o irmão em desespero, se tira esta irradiação da alegria íntima, e salutares pensamentos a atingir. Façamos da caridade nosso primeiro propósito”.

Revigorada, a caravana empreende nova caminhada. Neste ano, cada integrante trilha seu caminhar à espera do carnaval de 2015, 2016, 2017.... dois e mil e...,



Até sempre!
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