sábado, 6 de agosto de 2011

Viagem ao desconhecido

As bibliotecas têm muito mais que conhecimento. Além de abrigar a história da humanidade, têm histórias de pessoas anônimas que não viraram personagens de livros. A partir do momento em que temos contato com a vida desses desconhecidos, um novo mundo se descortina. 


Aconteceu comigo. Folheando um livro sobre a imprensa cearense no século XIX, na Biblioteca Público Menezes Pimentel, encontrei uma carta de amor, que guardo como relíquia. A história até hoje mexe com meus sentimentos, pois aguça a curiosidade de saber o que aconteceu com seus personagens, se a viagem foi realizada.

Por algum tempo tentei localizá-los, mas creio não ter tido a mesma persistência da romântica Sophie, em Cartas para Julieta, que ao encontrar a declaração de amor de Claire a Lorenzo, promoveu o encontro dos dois, 50 anos após a carta escrita. Talvez por não estar na cidade italiana de Verona, cenário de amor descrito por William Shakespeare em Romeu e Julieta.

A carta-declaração é um convite ao indecifrável e irracional mundo dos apaixonados, da arrogância de acreditar ser dona do sentir e da vulnerabilidade da paixão. “Um dia, desprevenida, a rainha de Sabá sucumbiu. Apaixonei-me por você. Confesso que lutei e relutei muito contra esse sentimento, mas a cada dia você fica mais forte dentro de mim. Não consigo dominar a vontade de vê-lo, de estar em seus braços, sentir os seus lábios, me perder em seus beijos”. declara a amante.  

Atormentada, descreve as noites em claro, a dor dilacerando o corpo, o pensamento longe, buscando o amado na lua, no céu, nos sonhos. “Só o encontro dentro de mim. Quero ardentemente me entregar, ser sua por inteira”. Em outro trecho, garante não ter sentimentos de culpa, medo de ser magoada ou magoar,  não ser frágil e nem forte, mas uma mulher apaixonada por um homem, em seu olhar, encantador, guerreiro, desafiador, vaidoso, otimista. Um homem que não é herói ou salvador, apenas homem, humano.

Mais adiante, faz declaração de amor e convite ao desconhecido e ardente viver da paixão, do somar, do construir. Não se assuste, diz ela, não é um pedindo de casamento, mas convite a uma viagem instigante e imprevisível. “Uma história de doação, alegria, tesão, sexo, descobertas e compromissos somente com os sentimentos. Sem nenhuma obrigação. Essa é a minha proposta, aceita?” 


A cada leitura da carta viajo na imaginação. Em um momento, penso eu que a carta foi guardada no livro pelo amado, no desejo de dividir com desconhecidos a sua história. Em outros, que a declaração de amor nunca chegou ao destinatário e que o moço até hoje vive na inocência da paixão da mulher apaixonada. Façamos, cada um de nós, o final dessa viagem.

2 comentários:

  1. Como mulher e jornalista, também compartilho: dói.

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  2. Como sou romântica, vou ficar desejando que a viagem tenha acontecido. E caso não tenha sido possível no tempo em que a carta foi escrita, que essa possibilidade de feliz encontro tenha se concretizado em qualquer hora dessas longas vidas.

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