quinta-feira, 26 de maio de 2011

Instrumento brilhantoso


O ano era de 1941. A cidade em festa aguardando os ilustres convidados. O interventor Manoelito, cheio de orgulho, circulava de mãos dadas com a sua Mundinha por entre os saboeirenses. Tapinhas nas costas, sorrisos e cumprimentos enquanto não chegava a hora da cerimônia. As mulheres com as roupas de domingo, sapatos de salto alto e chapéus tentavam acompanhar as crianças que corriam de uma lado para outro, fazendo a maior algazarra.

O sol era de rachar o quengo. Não havia uma lasca de sombra. Mas ninguém se importava. Saboeiro estava inaugurando o campo de aviação e receberia pelo menos oito aeronaves diretamente da Capital. Elas levariam o interventor do Ceará, Menezes Pimentel, deputados, alta autoridades do Judiciário, até o bispo diocesano e um comendador casado com a irmã de Manoelito. O interventor local pertencia a uma das mais tradicionais famílias da região, com força política e econômica.

Nas primeiras horas da manhã, o campo de aviação, distante três quilômetros da sede municipal, já estava apinhado de saboeirenses, sedentos por conhecer a mais importante invenção do homem. E para orgulho daquela gente, pelo brasileiro Alberto Santos Dumont. “Ou homem sabido”, disse o agricultor João Maciel após uma aula improvisada no meio da estrada sobre o invento e seus benefícios para a humanidade.

Somente às 11 horas, lembram os mais antigos do lugar, a multidão avistou o primeiro avião. Admiração e perplexidade foram os sentimentos daquele gente ao se deparar com a máquina voadora. Muitos temiam chegar perto, outros faziam plano de um dia embarcar em uma delas rumo a Iguatu. No primeiro momento a criançada se escondeu atrás dos pais com medo de ser por ela engolida. Depois da quinta ou sexta aeronave aterrissar a meninada já fantasiava com o “brinquedo”.

Os discursos se alongaram por mais de duas horas; a população cansada e faminta não agüentava mais. Queria o almoço prometido pelas lideranças políticas. Lá pelas tantas, com a barriga anunciando que já passava a hora da comida, o barbeiro e sacristão da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Purificação, Braz Jorge, aproximou-se da esposa, dona Zefinha, e saiu com essa pérola sobre o avião: “vixe, mulher, que instrumento brilhantoso, parece que foi feito de gordura de porco”.

Aplausos, vivas e lágrimas encerram a solenidade de inauguração do primeiro campo de aviação dos Inhamuns. Vale ressalta que nunca mais recebeu tantas aeronaves em um só dia como naquela manhã de 1941. Convidada para o almoço, toda a cidade se dirigiu ao mercado público. Mesas ricamente dispostas no meio da rua. As autoridades ficaram em um lugar reservado à sombra. Enquanto aguardava ser servido, Braz Jorge olhou para a torre da igreja e avistou o galo de aço colocado pelos portugueses na colonização da então vila de Saboeiro, no fim do século XVIII. Entre admiração e fome, afirmou convicto: “Zefinha, se esse galo tivesse intestino, cantaria”. 

Um comentário:

  1. Viva o Braz Jorge, que me arrancou boa risada na manhã desta quarta-feira. Viva a Suzete que nos presenteia com esses textos tão legais! E viva o povo sertanejo que, de forma sábia e simples, nos enche o coração de tantas ricas histórias!

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