segunda-feira, 2 de maio de 2011

Heroína!

As imagens do povo americano em frente à Casa Branca comemorando a morte do terrorista Osama Bin Landen me remeteram a minha avó Mundinha. Em tempos não muito distantes, famílias da região dos Inhamuns festejam a morte de inimigos. Soltavam fogos, tocavam-se os sinos das igrejas, em casos extremos, jantares eram oferecidos. Em Saboeiro não era diferente. Em uma dessas ocasiões, dona Mundinha, indignada com essa arcaica cultura, revoltou-se e disparou: “Quem comemora a morte de um ser humano, morre um pouco. Não importa o que ele fez ou como viveu. É um filho de Deus, que precisa de reza”.
Tivesse convivido com ela, a escritora Rachel de Queiroz a transformaria numa de suas mulheres singulares. O contexto que a cercou, desde menina, seria pano de fundo. Vó Mundinha nasceu em 23 de dezembro de 1910, numa época em que era feita a vontade dos pais e o juiz da terra intermediava o casamento. Numa época do amor à primeira vista e eterno, retratado pelo poeta José de Alencar.

Mulher forte e religiosa, nascida Raimunda Fernandes Vieira, dedicou toda a sua vida com honestidade, simplicidade e amor à família. Sempre esteve presente na educação dos filhos, incentivando e aconselhando-os. Mesmo com o coração saudoso, não recuava quando se tratava de encaminhá-los aos colégios internos, longe do conforto materno.

Ela fugia ao ditado popular de que ‘avó deseduca’. Sempre enérgica com os netos, seja na educação formal, moral ou religiosa. Todos os domingos, missa e comunhão. Semi-analfabeta, incentivava a leitura entre os pequenos. Mas também compartilhava as brincadeiras da criançada, especialmente das meninas. Fazia o alfenim, preparava sucos de graviola e laranja para serem usados no faz de conta das meninas donas de casa.

 No inverno, nos permitia o banho de chuva, debaixo das biqueiras estrategicamente instaladas na frente das casas. Entre uma corrida e outra, víamos na soleira da porta principal do casarão a figura daquela mulher baixa e profundos olhos azuis. Estava ela nos vigiando. Na volta para casa, após horas de brincadeiras, éramos recebidos com um copo de ‘suco de uva’ para esquentar o corpo. O suco era feito de vinho, água e açúcar. As crianças solviam a bebida até a última gota.

Minha primeira heroína ensinou-me o amor pelas roseiras, suas preferidas, e orquídeas, as minhas. Nas férias escolas, eu tinha uma tarefa que cumpria com muita alegria. Diariamente, a acompanhava na inspeção ao jardim cultivado no quintal. Fica embevecida com a conversa que ela travava com as rosas, perguntava com estavam, como haviam passado a noite e desejava um dia especial par cada uma. Como resposta, a rosa-amélia, a la frança, o sangue de Cristo, os lírios, as camélias, os cravos ... perfumavam o casarão. Saudades dessa mulher contraditória e apaixonante.

Um comentário:

  1. Estou completamente encantada com essas e histórias e com o modo como as conta, acaba tornando tudo meio mágico, apesar de algumas serem de dificuldades. Acho que vou acabar me tornando uma leitora assídua dele.Parabéns, Dona Suzete!

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