terça-feira, 17 de maio de 2011

Vida de ilusões!

Na infância tive muitos professores. Nenhum doutor, mas todos diplomados pelas experiências, sábios que aprenderam o segredo de bem viver. Um deles foi minha bisavó Flora. Mulher miúda, de estonteantes olhos azuis e sorriso fácil. De pouca conversa, passava a maior parte do tempo entre um ponto e outro do croché e o terço para Nossa Senhora da Purificação proteger os seus e os dos outros. Não gostava muito de se meter na conversa alheia, mas, de vez em quando, metia o bedelho, mas só quando necessário, costumava dizer.

Numa tarde de verão, calor de rachar o juízo, lá estava a bivó sentada em sua cadeira de balanço na porta do oitão. Ouvia atentamente as meninas traçarem planos, desfilarem sonhos. As adolescentes, entrando no estranho mundo da paixão, falavam em casamento, filhos, casa. As mais novas, aí me incluo, ouviam atentamente. Planos feitos, decepções choradas e, de repente, dona Flora dispara: quem ama é sempre feliz. Confesso que na época, no alto de meus sete anos, não compreendi. Perguntei o que ela quis dizer e tive como resposta uma tapa na mão acompanhada de sorriso.

Pensando naquela senhorinha, de pouca instrução, lembrei-me de Bruno e senti pena por não ter conhecido bivó Flora. Certamente não estaria estranho e só jogado no luxuoso apartamento esperando o milagre da vida. Rico e bem sucedido, conhecido e reconhecido médico realizou a promessa feita há quase 20 anos quando arribou do seu torrão natal rumo ao Rio de Janeiro, com três mudas de roupa, um tênis surrado, alguns trocados no bolso e muita vontade de vencer, de conquistar um lugar ao sol.

Na capital fluminense, estudou com muito sacrifício, concluiu a duras penas o curso de Medicina. Casou-se, teve filhos, traiu, descasou e novamente apaixonou-se. Fernanda, também médica, vaidosa, fútil e vaidosa conquistou seu coração. O sonho da alma gêmea logo virou pesadelo. Após sete anos de relacionamento, vivem o pacto do casal perfeito. Em casa, discussões, cobranças, exigências. A vida social é um mar de rosas. Atenção, sorrisos e agradecimentos. Mas estão tão afetos ao desamor que não conseguem trocar um olhar de carinho.

Ela vive a futilidade de roupas caras, jóias, posição, carros de luxo, viagens, academia. Ele divide o tempo entre a clínica que montou em Botafogo, o hospital onde presta serviço voluntário duas vezes por semana e reuniões. O casal não perde um evento. Está sempre nas colunas sociais, com o sorriso engessado e os olhos entristecidos. Não tem a coragem de abandonar a prisão que construíram.

Talvez se Bruno tivesse ouvido aquela velha senhora de quase 90 anos, abriria a janela e se apresentava para a vida igual ao poema de Thiago de Mello. “Pois aqui está a minha vida. Pronta para ser usada. Vida que não guarda e nem se esquiva, assustada. Vida sempre a serviço da vida. Para servir ao que vale a pena e o preço do amor. Ainda que o gesto me doa, não encolho a mão: avanço levando um ramo de sol. Mesmo enrolada de pó, dentro da noite fria, a vida que vai comigo é fogo: está sempre acessa”. 

Um comentário:

  1. Perfeito!!! Eu não faria melhor!!!
    Suzete, você é uma maga (acredito ser o feminino de mago)das crônicas construídas a partir da ficção da vida real. Quando aprender a escrever, quem sabe arrisque desenhar fatos alheios, mas tão íntimos e comuns a muitas histórias que, coincidentemente, se assemelham aos vividos por tantos Brunos e Fernandas e mesmo nos remetem à lembrança de pessoas bem resolvidas e felizes, como a bivó Flora.

    Gostei.
    Abs!!!

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