sexta-feira, 20 de maio de 2011

É proibido proibir


A revolução cultural dos anos 1960, que mudou o comportamento das mulheres ocidentais, passou léguas de distância de Saboeiro. As “moças de família” continuavam submissas aos maridos, obedientes aos pais e tementes ao fogo do inferno. Acompanhar as 400 ativista de Atlantic City e queimar os sutiãs em praça pública? Vai-te reto satanás. Elas continuavam recatadas, presas aos mexericos e pontos de cruz do enxoval de casamento que dormia por anos nos baú sem nenhuma serventia. Na contramão da luta feminista de Betty Friedan, passavam as noites na soleira da porta suspirando pelo príncipe encantado que nunca chegava em seu cavalo branco. Não era preciso tanto. Podiam vir num jegue. 

A carolice das vitalinas impunha o ritmo das adolescentes. Dançar colado, nem pensar, e nada de namorar na praça. Beijo na boca, quer ser difamada? Banho no rio Jaguaribe estava fora de cogitação para as ‘bem nascidas’. Margarida, a mais velha de seis irmãos, não aceitava imposições. Estudante na capital, chegava à terrinha cheia de idéias e moda. Linda, alegre e cheia de vida, criticava a sonsice das amigas e das carolas.

As férias de fim de ano eram um alvoroço na casa de seu Ribamar e dona Joanita. Benção pai, sua benção minha mãe, pedia Margarida a proteção ao respeitável casal. Filha minha não pode usar vestido curto, fumar ou dançar, bradava aos quatro ventos o reconhecido líder político da cidade. É proibido proibir, retrucava a adolescente, que transgredia as normas da família, ao contrário das três irmãs caçulas, que acatavam todas as ordens sem nenhum questionamento.

Proibida de ir às tertulhas na casa do coronel Sinfrônio nas noites de sábado, Margarida usava artimanhas para enganar os pais e duas tias que se revezavam na vigilância. Quando a família se recolhia, lá estava a jovem pulando o janelão do quarto. Com a sandália nas mãos, corria para a festa. Dançava a luz de lampião horas a fio embalada por Elisete Cardoso, Altemar Dutra, Nelson Gonçalves.

Numa das fugas, foi seguida pelo pai, que lhe deu uma sova no meio do salão. O castigo, um mês sem colocar nem mesmo a cabeça na janela. Margarida cumpriu o castigo. Não reclamou. Estava feliz. Naquela fatídica noite havia firmado compromisso com Oscar. No retorno à Capital, a jovem estava com aliança no dedo e casamento marcado com o único médico da cidade. 

Quase 50 anos depois, a hoje reconhecida artista plástica mora em um sítio nos arredores de Belo Horizonte com o marido. Vez por outra recebe a visita dos cinco filhos, oito netos, duas bisnetas e muitos amigos. A parentada, de vez em quando, troca a mansidão dos Inhamuns pelas festas nas Minas Gerais. Por dias a fio, música e diversão. É proibido proibir continua sendo o lema da rebelde adolescente de 72 anos.    

Um comentário:

  1. Suzete, o blog é lindo e as histórias inspiradoras. Seja para começar o dia ou para terminar. E o curioso é que elas sempre puxam alguma história que eu queria contar também. Mesmo não tendo morado em Saboeiro, mas morando em Caucaia... Beijo grande e continue, que estarei sempre lendo.

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