terça-feira, 10 de maio de 2011

No escurinho do mercado!

Noite de domingo. Missa rezada e a criançada se reuniu no espaço aberto do mercado público. Cada uma levando sua cadeira de couro e tamboretes. A aflição era grande. Pela primeira vez na história da cidade seria apresentado um filme. A menina Joana, de sete anos, virou para o vizinho de lugar, Ludogênio, de oito, e disparou a pergunta: “o que é mesmo que o padre vai mostrar?”. Ninguém sabia. Nos anos 70 do século passado em Saboeiro não tinha televisão e muito menos cinema. O único meio de comunicação era o rádio. As peças de teatro, adaptadas por algumas professoras mais letradas, recebiam o nome de drama. Ah, isso é uma outra história.
Minutos de expectativas e lá vem aquele homem de dois metros de altura, fala grossa. As mãos imensas, que pareciam querer abarcar o mundo, seguravam um rolo preto e alguma peça que, na época, não consegui identificar. Era o projetor. O padre holandês Geraldo Slag, que estava na cidade há quase 20 anos, fez uma preleção sobre o filme e o cinema. Ninguém prestava a atenção. Todos queriam ver o que apareceria naquele lençol branco. As luzes são apagadas. Começa a música. As crianças menores se assustam, enquanto os “metidos a entendidos”, aí me incluo, tentavam demonstrar tranqüilidade. Aparecem as primeiras imagens. Vicente Celestino, no papel de Gilberto, sofre desde o primeiro take. A platéia se emociona com o jovem que perambula pelas ruas da cidade grande, perde a mulher e se entrega à bebida.
As crianças sofriam muito mais com os problemas na projeção. Parada a cada dez minutos para consertar o projetor.Era uma tortura acompanhar o desenrolar do enredo em preto e branco. E nada de reclamação. Xingar, nem pensar. O olhar ameaçador do padre intimidava qualquer reação. Para desespero dos espectadores, a fita quebrou no finalzinho da história. Aborrecido, padre Geraldo bobinou a fita, desligou o projetor e saiu, altivo, carregando as nossas ilusões. Foi a primeira e última sessão de cinema no mercado público de Saboeiro. Saímos sem saber se Gilberto teria se libertado da vagabundagem e se tornado um grande cantor.
O filme “O Ébrio”, de Vicente Celestino, lançado em 1946, foi a minha primeira experiência no cinema. Diga-se, de passagem, frustrante.

2 comentários:

  1. Cada um com seu Paradiso. Cinema encanta.

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  2. Nem me "alembro de acuma foi o meu". Mas choro todas às vezes que assisto Cinema Paradiso e até se lembrar das cenas que mais me emocionam. Nã!

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