domingo, 8 de maio de 2011

Amor de mãe!

Dona Lúcia, minha mãe

Inverno pesado no Ceará. Rios transbordando, aguaceiro por todo lado. Sitiantes correndo para salvar às réis que caiam nas valas abertas pelas águas. Naquele ano, Deus mandou mais chuva do que se havia pedido. 


Numa noite de tempestade, trovão estrondando a terra e os raios cortando o céu de Saboeiro , a jovem Lúcia, grávida de sete meses, entrou em trabalho de parto. Ela tinha, ainda tem, pavor às trovoadas. Na cidade não havia médicos, hospitais. Apenas uma parteira. A família achou melhor não arriscar. Seus pais, Manoelita e Mundinha, embarcaram com a filha rumo ao Iguatu no Jeep Willys, da família.

Péssimo motorista, seu Manoelito não livrava um buraco da estrada carroçável. A cada solavanco, gemidos de Lúcia. Dona Mundinha, desbulhou o terço umas 50 vezes. Entre as ave-marias e os padres nossos, carinho na filha. A aventura continuou por quase quatro horas. No início da manhã nascia o rebento, prematura, pesando 2,5kg e com 32 centímetros. No hospital, alívio. A caçula de três filhos do casal Chico e Lúcia recebeu como primeiro alimento, chá, dado pelas freiras do hospital. Parece que a beberagem fez mal. Não se sabe, mas minutos após ingeri-lo a criança começou um choro de seis meses.

No hospital não havia incubadora. O negócio era enrolar a bichinha em panos mornos e envolvê-la nos carinhos da mãe, que passava os dias e noites com a criança nos braços.  Uma semana após o nascimento, tempo de voltar para casa. A família pegou a estrada de volta, sempre acompanhada de muita chuva. O avô feliz, brigando com os buracos. A viagem durou quase dois dias, interrompidos por riachos que cortavam a estrada. A travessia do rio Jaguaribe, de canoa, com o sol nascendo. A criança, bem agasalhada, para não pegar friagem.

Mas o desvelo da mãe não a libertou de meses de sofrimento. A menina, parecia com uma “uma ratinha”de tão pequena. Chorava dia e noite sem parar. Os parentes pensavam que era surda e cega, pois não atendia aos chamamentos e não acompanhava os gestos. Recusava alimentos. Aos seis meses, pesava dois quilos, havia perdido 500 gramas. A parentada mandava a mãe desistir da criança e “deixar o anjinho morrer”. Lúcia continua incansável nos cuidados à criança. Buscavam orientação de médicos da região. 


Nos momentos de desespero, apertava a filha no peito e rezava, pedindo a Deus socorro para a filha. Não a morte, ou descanso. Mas a vida. Ela já tinha um casal de filhos – de três e dois anos – que ficou aos cuidados do marido e de duas irmãs. Com a filha no colo, ouvia as missas na sala de entrada da casa, que fica ao lado da Igreja de Nossa Senhora da Purificação. 

Numa quente manhã de setembro apareceu lá pelas bandas de Saboeiro um rezador, com fama de fazer curas. A jovem mulher mandou chamá-lo e foi logo explicando que havia levado a filha a vários médicos e nenhum diagnóstico. O velho examinou a criança e deu a receita: leite de jumenta e chá de amburana rasteira. Seu Chico recusou-se a acreditar naquele homem sem cultura. Lúcia foi então à procura do sogro que mandou amarrar o animal no pé de cajarana no quintal da casa do casal. Quem tiraria o leite? O serviço ficou para o cunhado José Robério.

Nos primeiros dias, a menina solvia o leite em uma colher de café. Depois passou a de sopa, uma chuquinha, mamadeira. Três meses depois estava engatinhando. Com 11 meses deu os primeiros passos. Não era surda e nem cega. Choro, quase não mais se ouvia naquela casa.

Ao longo dos anos, dona Lúcia continuou cuidando da filha. Chorou as suas dores, riu as suas alegrias e vitórias. Hoje, aos 72 anos, continua zelando pela menina “raquítica”que teimava em viver e que renasceu muitas vezes graças aquela mulher de menos de um metro e cinqüenta de altura, olhar doce, palavra mansa e uma fortaleza que faz os gigantes tremerem.

Obrigada, mãe, por não ter desistido!

3 comentários:

  1. Linda a sua história Dona Suzete. Uma mãe de verdade nunca desiste de quem realmente ama, por mais que tentem a convencer do contrário.
    Feliz Dia das Mães, a senhora e a Dona Lúcia.
    Beijos!

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  2. Ahah!!! Agora sei o porquê de você ser uma Joana D'arc ao invés de uma simples MAriazinha... Você nasceu Joana D'arc, pois se houvesse nascido Mariazinha não cresceria e se tornaria a Joana D'arc que é... e acredito que sempre será...

    Adorei!!!
    Sua fã de carteirinha!!!

    Gleydiane Freitas

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  3. Dona Suzete, Dona Suzete, é por isso que até hoje a sua luta contínua é para não entrar numa briga, porque entrando, difícil perder ou deixar alguma coisa de pé. A bicha é valente desde sempre e,vê-se pelo post, tem a quem puxar.

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