quinta-feira, 28 de julho de 2011

Desatino nas serenatas

- Não adianta nem tentar me esquecer. Durante muito tempo em sua vida eu vou viver...” Roberto Carlos invadia as noites enluaradas de Saboeiro, embalando os sonhos das adolescentes enamoradas. As declarações de amor e pedidos de namoro quase sempre eram acompanhadas pelas serenatas madrugada adentro.

Ainda na praça, horas antes, os rapazes davam sinais de que aquela seria uma noite especial. Era um desatino entre as meninas. Tentativas de adivinhar as músicas as serem tocadas, certezas dos galantes presentes.

As serenatas mudavam a rotina da cidade. As tertúlias acabavam mais cedo por decreto das moçoilas espevitadas ansiosas pela madrugada. Aos rapazes cabiam conseguir os LPs, a radiola, pilhas. O mais difícil, coragem para os pedidos de namoro, enfrentar os rivais.

Não, não pensem que as declarações de amor eram para mim. Eu, já adolescente, era apenas espectadora. No máximo, coadjuvante.

Caetano Veloso, com aquela voz melosa, Odair José, Roberto e Erasmo Carlos, Os Fevers eram todos para minha irmã Suzana e a prima Magda. Nas férias, estavam elas, lindas, torturando corações e alimentando sonhos nunca realizados dos rapazes. Promessas de em julho, depois transferidas para dezembro ou janeiro, quem sabe, aceitar o pedido de namoro, quando retornariam a cidade para, novamente, dilacerarem os pobres garotos. Após muita peleja, um ou outro conseguia chegar ao coração das duas malvadas.

Mas, enquanto não se decidiam por quem ficar, lá estavam elas aguardando ansiosas as serestas. Era um desarrumar e ajeitar de malas esperando a hora da cantoria. Já nas primeiras investidas, vô Manoelito, homem experimentado na vida e nos amores, acompanhava, silencioso, a arrumação das meninas. Certa noite, as mandou dormir com a promessa de acordá-las. Promessa cumprida.

O som da radiola grita ao longe, na subida da ladeira na rua principal. Duas ou três paradas nas casas vizinhas. Horas de espera até chegar a uma das janelas no oitão da casa de meus avós. Nos primeiros acordes, lá está vô Manoelito ao pé das redes chamando as netas. No misto entre alegria e ansiedade, as duas não emitem nenhum barulho. No máximo, risinhos abafados.

Como dividia o quarto com Suzana e Magda também despertava e não me fazia de rogada. Como não tinha paquera, muito menos namorado e adorava irritar minha irmã, aproveitava para fazer barulho, anunciando que a casa acordara.

Parecia eu Mário Quintana em seu dizer: "Quiseste expor teu coração a nu. E assim, ouvir-lhe todo o amor alheio. Ah, pobre amigo, nunca saiba tu, como é ridículo o amor...alheio”.

Pobres meninas. Desesperadas, tentavam segurar aquela chatinha e sem graça garota. Vontade mesmo, tinham de matá-la. Como não podiam, ameaças de surras, reclamações no dia seguinte a minha mãe. Promessas de emprestar aquele vestido novo que a tia solteira havia feito para Suzana e que eu tanto desejara. Nada feito. Como perder a oportunidade de atrapalhar o namoro dividido por uma grossa parede de dois tijolos queimados no fim do século XIX?

Calmaria somente com as pisadas de meu pai, chegando de Aiuaba. Cumprimentava ele os rapazes, orientava o melhor lugar para colocar a vitrola na soleira da janela. Esse seu Chico era um ser muito especial. Mas ai é uma outra história, de amor, dedicação, respeito, sabedoria, generosidade...

Na manhã seguinte, o ambiente sempre agradável ficava especial na casa de meus avós maternos. Menos para mim, é claro. Enquanto as meninas ainda ouvindo o cantar dos passarinhos, estava eu recebendo reprimendas da tia Águeda. Como poderia, comportar-me tão mal com as suas queridas e preferidas sobrinhas? Socorro somente da vó Mundinha, que tentava justificar minhas pequenas maldades.

- Deixem a Suzete em paz. Ela faz essas brincadeiras porque nunca se apaixonou. Quando acontecer, Deus nos acuda”, dizia ela, dando uma piscadela e me presenteando com uma rosa la frança. Seria o prenúncio do amor de Cecília Meireles: 


"É difícil para os indecisos.
É assustador para os medrosos.
Avassalador para os apaixonados!
Mas, os vencedores no amor são os
fortes.
Os que sabem o que querem e querem o que têm!
Sonhar um sonho a dois,
e nunca desistir da busca de ser feliz,
é para poucos!!"

4 comentários:

  1. E a vó Mundinha teve ou não razão? Aposto que sim! E que Deus nos acuda...

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  2. Pois é, Carol. Deus enxugue as lágrimas e acalme o coração

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  3. Nocrato, ainda bem que não nasci em Saboeiro. Começou o blog timidazinha, respeitando o nome do povo, sobrenome, essas coisas, agora está escancarando tudo, até os teus próprio dizeres. Nã!

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  4. Suzete,

    Sabia que uma das lembranças mais bonita que eu tenho da minha
    adolescência foi de uma serenata que fizeram para mim em Mombaça.
    Naquele dia, cantaram aquela música "Namorada, luz da madrugada,
    verdadeiro abrigo, alvorada, sonho colorido...".
    Eu estava dormindo na casa de um tio, que não gostou nadinha do barulho
    lá fora, na calçada de sua casa, e muito menos dos murmúrios que
    fazíamos, eu e minha prima.
    Gente, era bom demais.
    E lá se foi o tempo...
    Tempo de um romantismo exagerado, porém lindo!

    Agora, mudando de prosa, você já era implicante naquela época?

    Beijos

    Mozarly

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