terça-feira, 12 de julho de 2011

Saudades da menina Kátia!


Hoje, lembrei-me de Kátia, amiga de infância, e senti saudades. Menina feia e sem graça, sonhava sonhos grandiosos. Queria estudar, ser independente, conhecer e conquistar o mundo. Não aceitava o destino traçados às mulheres da cidade: casa, marido e filhos. Naquele universo, tinha nas professoras primárias a referência profissional. Não podia ser diferente. Em Saboeiro não havia medica, dentista, psicóloga. Apenas uma advogada, que aparecia de vez em quando para visitar a parentada.

Seu desejo, cursar faculdade e sair “correndo de escola em escola” dando aulas. A condução, um fusca verde. Na racionalidade de criança, praticava o ofício com as bonecas. As colocava sentadas no chão do quarto e passava horas a fio a ensiná-las a escrever e ler corretamente. O alfabeto já estava impregnado na parede. Recebeu logo o apelido de “professorinha”.


Devorava todos os livros que lhe caiam às mãos. Não livrava nem mesmo as velhas revistas de “O Cruzeiro” ou bulas de remédio. Os parentes da cidade grande levavam, nas férias, livros de história, romances. Entre um banho e outro no rio Jaguaribe viajava nas histórias de Monteiro Lobato. Era especialmente fascinada pelas peripécias da boneca Emília. Por aquelas bandas, eram poucas as crianças que gostavam de ler. Preferiam as brincadeiras de rua, os guisados, reisados e piqueniques.

Kátia não recusava um desafio. Corria pelas ladeiras da cidade, brigava com os meninos, subia nos pés de árvores, saia pelo mato à caça de pássaros, como o Pedrinho de Monteiro Lobato. Participava das festas da Igreja. Era anjinho de Nossa Senhora da Purificação. Não recusava uma dança com o pai. E se fosse um xote, o pobre homem era obrigado a levá-la, por horas, pelo salão.

Ainda criança arribou com a família para a Capital em busca de melhores estudos, como dizia sua tia. Aqui, descobriu outro mundo, o da fantasia do cinema e teatro, da prisão de não poder sair para a casa da vizinha ou de correr pelas ruas, da saudade da vida perdida lá atrás, quando se despediu de nós, suas amigas. Trocamos sonhos e confidências anos a fio. Toda semana era uma carta com as novidades. Novos amigos, namorados, família, estudos e livros. Ela me apresentou ao Carlos Drummond de Andrade, ao cronista Rubens Braga, Érico Veríssimo, Jorge Amado. Mais tarde, Cora Coralina.

Não sei se realizou os sonhos de infância. Ainda na juventude nos perdemos. O último encontro foi logo após a sua festa de formatura. Trocou o magistério por outra profissão. Soube que casou, descasou, teve filhos. Enfrentou sozinha o câncer. Poupou a família do sofrimento da doença, dividiu algumas dores com poucos amigos. Dizem que Kátia viveu amores, desamores, paixão. Sei que sempre quis o que não se pode explicar. Escolheu viver entre a razão e a emoção.

2 comentários:

  1. Lindo texto. Fiquei emocionada! Parabéns pelo blog! Maravilhoso!!

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  2. Assim, como Kátia, eu também lia as revistas Cruzeiro e as bulas de remédio. Acabei jornalista, encontrei meu caminho.

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