terça-feira, 21 de junho de 2011

Velhas doenças!



Abril de 1973. Tarde ensolarada na cidade de Saboeiro. Crianças correndo desesperadas tentando salvar o resto de dignidade. Ou seria, a própria vida. Naquele longínquo ano, os alunos do Grupo Escolar Olavo Oliveira procuram escapar da danada da injeção que homens sisudos e mulheres emburradas aplicavam nos braços dos que passavam a sua frente. As principais vítimas, os pequeninhos, que não conseguiam se desviar dos intrusos. Os mais velhos, atropelavam-se pelos corredores, pulavam as janelas em busca de socorro.

O alvoroço era tamanho. Nem mesmo os professores e a autoritária diretora conseguiam acalmar a garotada. Não, não era uma experiência científica ou massacre de criancinhas. Estava o grupo escolar recebendo técnicos do Programa Nacional de Imunizações, criado naquele ano pelo Ministério da Saúde, para erradicar a febre amarela urbana e a varíola.


Primeira campanha de vacinação na cidade. O atraso era grande. As doenças infecciosas imperavam por aquelas bandas. Sarampo, caxumba, varíola, coqueluche, dordolho atacavam meninos, velhos e adultos. Ninguém escapava. Para alguns, a prevenção chegava na hora certa. Para outros, atrasada. Pais perderem seus rebentos sem nenhuma assistência. Médico era coisa rara. Imunização, palavra feia, ou melhor, desconhecida.


Os surtos iam e vinham a cada nova estação. Dona Dolores, velha parteira de Saboeiro, benzia seus moradores com galhos de peão roxo para espantar a morte. Às doenças, amaldiçoava cada uma debaixo do pé de oiticica que tomava a frente de sua casa. Das “malditas”, como costumava falar, escapei somente da coqueluche e varíola. Naquele ano, eu e minha irmã caímos de cama com sarampo. Febre alta, dor no corpo, pele manchada e medo, muito medo de morrer. Dividíamos a atenção de minha mãe, que se desdobrava em carinhos e remédios.


Guaraná e bolacha cream cracker amenizavam o sofrimento. Eram o melhor remédio. Dias trancadas no quarto abafado para não pegar friagem. Cobertores para acalmar a febre. Banho? Só de álcool. Meses após a cura, caxumba.Desta vez, eu e meu irmão. Nada de andar pela casa ou fazer extravagância para a papeira não descer.


E o dordolho? Bastava um pegar, para todos amanhecerem com os olhos grudados,lacrimejando. O sol raiava e lá estávamos gritando por socorro da mãe. Abrir os olhos, tarefa difícil. O remédio, lavá-los bem com água corrente, enxugar com algodão e passar a pomada penicilina. Para garantir a cura, reza de dona Dolores.


A peleja e desinformação em Saboeiro eram de espantar. Na fuga da vacinação, levei a melhor. Ou seria, a pior. Miúda e ligeira fugi da agulha. Na época, sentia-me orgulhosa. Semanas de conversa sobre o corrido. Contávamos quem havia sido vacinado, como “salvamos”  nossa pele daquele momento de horror, e por ai vai.


Dois anos depois, estava eu numa enorme fila em frente ao posto de saúde do Crato para me vacinar contra a meningite, que estava matando no Ceará. Desta vez, o medo da doença foi mais forte que a covardia de enfrentar uma agulhada.

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