sexta-feira, 10 de junho de 2011

Dois amigos e o ouro branco


Eleição perdida. Hora do recomeço. Juntar os cacos, levantar a cabeça e tocar a vidinha, naqueles dias cheios de sobressaltos e dívidas, muitas dívidas. Com o banco, amigos. O homem sonhou o sonho do melhor amigo e cunhado de acabar com o domínio político do adversário. Acreditou ser prefeito da cidade e fazer um novo traçado no destino de sua gente.


O sustento vinha da fazenda e do salário da esposa, diretora do grupo escolar. Naquele ano, as chuvas foram escassas, quase nada tirou da terra. Precisava de milagre para salvar o seu querido Mamoeiro,pedaço de chão onde nasceu e criou raízes. Única herança do pai, que o ensinou a amar e respeitar aquele lugar tórrido, sofrido, que renascia a cada inverno.

Após o pleito eleitoral, mudou-se de mala e cuia para a fazenda, levando a esposa chorosa e os filhos pequenos. Dias de incertezas e noites de rezas. Ladainhas ecoavam pelo terreiro da casa grande, novenas tiradas para santos de devoção, missas e comunhão. Para garantir o milagre, promessas. A cunhada, mais afeita a penitências, debulhava o terço ajoelhada na pedra quente ao meio dia em ponto, debaixo de sol escaldante. Para ser ouvida com mais rapidez, braços abertos nas 50 Avé Marias, cinco Pai Nosso, Salvé Rainha e a Consagração a Nossa Senhora. Não esquecia as jaculatórias. Errar um mistério? Nem pensar.

Novembro de orações e roga a Deus. Quando dezembro chega, o amigo anuncia nova aventura.Convite aceito. Embora amargurado, o valente sertanejo nunca desiste. Talvez, conhecido tivesse de Ernest Hemingway concordaria de que “um homem pode ser destruído, mas não derrotado”.

O cunhado-amigo vendeu o último bem, um jeep Willians, pediu empréstimo ao sogro, comprou as sementes, contratou trabalhadores. Hora de arar e alimentar a terra com sementes de algodão. Trabalho de sol a sol. Interrupção, só para olhar o céu em busca de sinal de Deus. As nuvens começam a se formar, relâmpagos e trovoadas anunciam a chegada da chuva. À noite, homens, mulheres e crianças genuflexos oram pelo milagre.

Dia de Reis traz alegria e esperança. A fazenda acorda de madrugada. O grito do chefe da família assusta a casa. Do alpendre, a família avista o tão sonhado milagre. O baixio está todo branco. O algodão floriu. De longe, parece neve. Festa em Mamoeiro. Salvação.

Uma semana depois, caminhões cruzavam o lugar levando o ouro branco para Iguatu e de lá Fortaleza, São Paulo, Estados Unidos, Europa.... Não importa. Garantiu o pagamento das dívidas e reserva para um ano de sobrevivência. O homem de mãos calejadas pela luta na terra abraçou o amigo e prometeu continuar sonhando os seus sonhos. 


Naquele momento, poderiam pensar em Santo Agostinho e o seu caminhar. “Mesmo que tu já tenhas feito uma longa caminhada, há sempre um caminho a fazer”. E os dois amigos fizeram juntos uma longa caminhada, de vitórias e derrotas, mas sempre olhando para o baixio do Mamoeiro. 

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