terça-feira, 14 de junho de 2011

Carta não enviada

Num mundo onde todas as formas de envolvimento pessoal parecem não ter tanta importância, no qual o amor se tornou questão de conveniência, sinto que a história vale a pena ser contada. Talvez seja a lua, entrando pela janela de meu quarto, convidando-me a viajar no tempo e reencontrar Valquíria.


Não fomos apresentadas. O primeiro e único encontro, por meio de uma “carta-declaração”, amarelada pelo tempo e por tantas mãos que a folheou. Na época, transcrevi o documento e guardei junto aos rascunhos de entrevistas. Li e reli muitas vezes, talvez tentando desvendar as suas razões. Como se possível fosse. Como diz Renato Russo ”Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer que não existe razão?”

Nas inúmeras matérias sobre pessoas, vidas, sonhos, desilusões, lutas, a história de Valquíria, contada por sua irmã, fez-me refletir sobre a mania que temos de rotular como piegas os sentimentos mais profundos e genuínos. Acredito que se Robert James Waller tivesse encontrado a carta-declaração talvez pensasse, lá com seus botões, que o possível amor impossível de Robert Kincaid e Francesca Johnson estaria sendo revivido. Não mais em Iowan, próximo as pontes de Madison, mas no interior do Ceará, por uma professora e um médico.  

Não trago sentimentos de culpa; não tenho medo de ser magoada ou de magoar; não sou frágil e nem forte; sou uma mulher apaixonada por um homem desafiador, vaidoso, otimista. Um homem que não é herói ou salvador, apenas homem, humano”. O trecho encerra um dos parágrafos da carta, escrita em 1963, talvez sob o luar. Prefiro imaginar ela sentada no jardim de casa, entorpecida pelo perfume das roseiras.

A história começa bem antes.

Estamos em 1959. A viuvez bate à porta de Valquíria, mãe de três filhos. Os medos e incertezas a impelem a procurar emprego. Intelectual e com excelente currículo, é aceita na melhor escola da cidade. Tranquila e sempre alegre, vivia para a família e o trabalho. Em uma manhã ensolarada, cruza com Fernando ou teria sido ele que atravessou o seu caminho? Não sei se o acaso quis assim ou foi à vida que escolheu, divagaria o poeta. Amor à primeira vista, nunca revelado à família e amigos. Anos de silêncio.

Guardou segredo por mais de 30 anos. Continuou sorridente, amiga. Criou os filhos, cuidou dos netos. Meses após sua morte, em 1990, sua irmã encontra a carta-declaração, nunca enviada ao amado. A partir daquele ano, a história correu a região. Fatos foram acrescentados para apimentar o romance. Muitos falam do rompimento, outros da fuga, da tentativa desesperada do reencontro. Os mais afoitos contam que casaram escondidos ou que ela morreu esperando o amado. O que é verdade ou lenda, não sei.

A declaração de amor escrita em letra miúda e redonda nunca foi entregue a Fernando. Ele foi embora para Santa Catarina meses após a carta ser escrita. Não poderia deixar o amor destruir seus sonhos. Tinha mulher e uma promissora carreira. A separação seria um escândalo e ele perderia prestígio. Nunca mais se ouviu falar no pobre médico, que aceitou a subjugação do orgulho e do medo. 

Um comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...