Na semana passada travei acalorada discussão com uma pessoa muito querida sobre família, dinheiro, poder. Em geral, concordamos em quase tudo, mas quando se trata de renúncia e realizações, pensamos e agimos completamente diferentes. É o duelo entre a razão e a emoção, a consciência e o coração. Ele defende que para realizar os sonhos, a pessoa precisa fazer escolhas. Questiono o preço a ser pago. Geralmente, a conta é cobrada aos filhos.
Eu, mãe por escolha e opção, não abro mão de sonhar os sonhos de meus rebentos, sofrer o seu sofrer, gargalhar o seu riso, chorar a sua dor, ser feliz com a sua felicidade. Radical e intransigente assumo, de forma incondicional, minha responsabilidade sobre a formação moral, ética, cultural, religiosa desses seres que escolhi para, com eles, somar minha vida.
E não me venham com o discurso de que pai e mãe têm vida independente e que as crias são uma coisa à parte. Mais uma obrigação na já atribulada existência. Qual nada. Filhos são o todo. O resto, detalhes. Poder, dinheiro, fama, reconhecimento, apenas conseqüência.
São ridículas as desculpas de profissionais bem sucedidos e vitoriosos de que estão cada vez mais ausentes porque precisam trabalhar muito para garantir o conforto da família, que se traduz em carrões, viagens duas ou três vezes ao ano para o exterior, jóias, roupas de grife. Perguntaram aos seus se é isso que eles querem? Certamente a criança trocaria o videogame de última geração pelo joguinho despretensioso com o pai na pracinha ali ao lado. E a adolescente. Será que ela não prefere ter a mãe ou o pai sentado (a) à mesa de jantar todos os dias ao invés do cartão de crédito? Na verdade, esses senhores e senhoras se empenham na busca desenfreada do ter. E para justificar essa loucura, se agarram na mentira do bem-estar que acreditam proporcionar aos pequenos e indefesos.
Na discussão, meu amigo apresenta argumentos para explicar os homens que renunciam a convivência com os filhos em nome do sucesso profissional. Perdem o inseguro primeiro passo, ouvir o balbuciar “papai” e mamãe, o primeiro dia na escola. Sempre o primeiro, mas ao longo da vida deixam de viver as segundas, terceiras, quartas... vitórias e derrotas. Mas isso é pequeno diante das grandes conquistas e do que oferecem à humanidade, defende ele.
-O que seria do planeta se não fossem esses homens? Sem eles, não teríamos conquistado o espaço, não desvendaríamos os mares, não teríamos computadores. Ajudam instituições, mantêm escolas, hospitais
E sai desfilando as conquistas tecnológicas da humanidade no último século, da importância dessas pessoas para a sociedade. Esquece de falar sobre o preço social do esgaçamento familiar. E vou além. Por me considerar uma pessoa relativamente bem informada, não entendo e não quero compreender, que o bem-estar do pai ou da mãe seja mais importante que a felicidade do filho ou filha.
Em meio à discussão, falamos da dedicação filial e do amor extremando, que levam homens e mulheres (graças a Deus ainda são muitos) a abrir mão de sonhos de consumo pela felicidade de seus rebentos. No fim da viagem, continuamos com nossos pontos de vista. Nesse turbilhão de questionamentos, defesas, risos e ironias lembrei-me do escritor argentino Jorge Luís Borges. No poema “Instantes”, ele faz uma reflexão sobre o que realmente queremos em troca de valores que nem sempre são os nossos ou que os assumimos como prioridade em nossas vidas.
Convido-os a entrar nos instantes de Borges e avaliar se é hora de virar o taxímetro interior, não importando exatamente qual o tempo ideal para percebermos com mais lucidez os detalhes da vida. Que tal planejá-la, ou ainda, replanejar do ponto que se encontra, lembrando que somos o seu diretor e que só acontece o que permitimos. Pensar a respeito do que estamos fazendo, pode modificar o epílogo.
Instantes
Se eu pudesse viver novamente a minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros
Não tentaria ser perfeito; relaxaria mais
Seria mais tolo do que tenho sido; na verdade,
bem poucas coisas levaria a serio
Seria menos higiênico
Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,
subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a lugares onde nunca fui,
tomaria mais sorvetes e menos lentilhas,
teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que vivem sensata e produtivamente
cada minuto de sua vida; claro que tive momentos de alegria.
Mas, se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.
Porque, se não sabes, disso é feita a vida, só de momentos,
não percas o agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro
uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas;
se eu voltasse a viver, viajaria mais leve.
Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço
no começo da primavera, e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua,
contemplaria mais amanheceres
e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vida pela frente.
Mas vejam, tenho 85 anos
e sei que estou morrendo...
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