domingo, 12 de junho de 2011

Mais ou Menos!

Guimarães Rosa dizia que “esperar é reconhecer-se incompleto”. Liduina viveu anos incompleta. Ainda criança assistiu o padecer e a despedida da mãe pela tuberculose. Sentiu a indiferença do pai. Aos cinco anos, arribou com os três irmãos pequenos de Vitória. Quatro dias de viagem até Saboeiro. Ônibus, pau de arara, caminhão, carona.  Nenhuma palavra trocada.  O choro da caçula cortava o silêncio agonizante. Os meninos são recebidos com carinho e sorriso pela avó paterna. A velha senhora abençoa o amado filho e seus rebentos.


No dia seguinte, o homem embarca de volta para a sua vida, com a promessa de retornar aos filhos no ano seguinte. Anos de espera. Nenhuma carta ou telefonema. Aniversários sem bolo, brinquedos ou festa. Nas noites de frio, Liduina chora sob o lençol a saudade da mãe e a mágoa do pai. A pobreza da família afasta para longe o sonho da faculdade, do reencontro, da felicidade. Entre uma desilusão e outra conhece Fernando. Juras de amor, promessas, sonhos.


O rapaz decide experimentar o mundo. Embarca para o Sul do país. Quer fazer fortuna. A jovem assume seu destino: esperar. Esperar o amor. Um, dois, cinco anos, as comunicações rareando. Enquanto aguarda, trabalho na cozinha dos outros, estudo à noite. Vida de privações. De Fernando, nenhuma palavra. Liduina descobre, aos 18 anos, que havia amado e vivido errado. Não queria mais esperar a demorada cicatrização das feridas. Hora de fazer escolhas certas. Parte para a Capital com as bênçãos da avó chorosa, a saudade dos irmãos. Na bagagem, determinação.

Sete anos depois, conclui o curso de Pedagogia. Na festa, apenas três amigas. Ninguém da família. O 
convite de formatura moldura a sala de visitas da casa humilde da avó. Ensinar em dois colégios era pouco para aquela garota. Dois anos se passaram e novo certificado, Mestrado. A avó não entende. “Mas, a menina já terminou a faculdade, para que fazer isso? Ela não é formada?”, pergunta à minha tia Zuleide, primeira professora da neta. Aos 31 anos, Liduina desembarcava da Alemanha, onde defendeu tese de Doutorado.

Conquistou dignidade, respeito, garantiu estudos aos irmãos, velhice tranqüila à avó. É grata aos tios, amigos. Alçou vôo, mas continua esperando o amor filial, notícias do ex-namorado. Vitoriosa e bem sucedida, decide zerar seu passado. Encontra Fernando em São Paulo. O garoto sonhador torna-se um sem graça operário da construção civil, casado e pai de sete filhos. Não se desculpa pelos anos de espera, de sonhos perdidos.

Reencontrou o pai no ano passado. De cabelos brancos, olhos tristes, o homem enfrenta câncer no estômago. Quase 30 anos depois, pai e filha trocam o abraço perdido lá atrás. Marido, dois filhos, três irmãos, cinco sobrinhos, pai. A família de Liduina se reúne todos os anos no aniversário de nascimento da saudosa avó, que partiu para a pátria espiritual na madrugada fria de um domingo de 2008.

Hoje, Liduina leva a vida que quer viver. Ela me lembra o poema de Chico Xavier



A gente pode morar

numa casa mais ou menos,
numa rua mais ou menos,
numa cidade mais ou menos
e até ter um governo mais ou menos.

A gente pode dormir
numa cama mais ou menos,
comer um feijão mais ou menos,
ter um transporte mais ou menos
e até ser obrigado a acreditar
mais ou menos no futuro.

A gente pode olhar em volta e sentir
que tudo está mais ou menos,
tudo bem!

Mas o que a gente não pode mesmo,
nunca, de jeito nenhum:
É amar mais ou menos,
é sonhar mais ou menos,
é ser amigo mais ou menos,
é namorar mais ou menos,
é ter fé mais ou menos,
é acreditar mais ou menos.
Senão a gente corre o risco de se tornar
uma pessoa mais ou menos.

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