terça-feira, 19 de março de 2013


Mulheres de minha vida


É uma cidade pequena, encravada na caatinga, sem recursos, sem ânimo. Naquele lugar, com uma rica história que sobrevive nas lembranças de poucos moradores, a vida se repete igualmente todas as horas. As pessoas vivem os dias sem nenhuma novidade. O tempo não passa. Homens se arrastam por suas ladeiras, perdidos no passado de lutas, intrigas, amores, saudades. Algumas poucas fortunas, feitas graças ao ouro branco e ao comércio do gado, esvaíram-se com o bicudo e a seca.

 No contraste dessa realidade ou por causa delas, mulheres determinadas, mães, esposas, guerreiras  escalam a montanha da vida, removendo pedras e plantando flores nos corações e mentes de homens endurecidos, amorosos, companheiros, outros infelizes e muito ainda a conhecer do amor, fidelidade, respeito. A minha infância foi rica e feliz ao redor desses seres especiais. Cada uma delas trazia no rosto e no profundo olhar as marcas de uma vida de dificuldades, improvisações. Mas, sábias, não perderam a doçura, o encanto...

Como não lembrar de vó Mundinha, mulher forte e religiosa. Nascida Raimunda Fernandes Vieira, dedicou toda a sua vida com honestidade, simplicidade e amor à família. Sempre esteve presente na educação dos filhos, incentivando e aconselhando-os. Mesmo com o coração saudoso, não recuava quando se tratava de encaminhá-los aos colégios internos, longe do conforto materno.

Tivesse convivido com ela, a escritora Rachel de Queiroz a transformaria numa de suas mulheres singulares. Minha primeira heroína ensinou-me o amor pelas roseiras, suas preferidas, e orquídeas, as minhas. Diariamente, a acompanhava na inspeção ao jardim cultivado no quintal. Fica embevecida com a conversa que ela travava com as rosas, perguntava com estavam, como haviam passado a noite e desejava um dia especial par cada uma. Como resposta, a rosa-amélia, a la frança, o sangue de Cristo, os lírios, as camélias, os cravos ... perfumavam o casarão. Saudades dessa mulher contraditória e apaixonante.

O que vivi, senti e vi se confundem com a imaginação nas minhas impressões gravadas na memória, que me remetem a professora do primeiro ano primário. Esguia, durona, valente, dona Mariazinha ensinou-me o valor do conhecimento. Após fazer birra por causa da farda e me recusar a assistir aula,  apresentou-se à realidade da maioria das famílias da cidade. Levou-se a uma casa humilde onde  três crianças –  entre sete e 11 anos - estudavam sentadas no chão de barro, com cadernos e livros espalhados pelo lugar. Os garotos dividam um único lápis. Espantada, olhei para aquela temida mulher que me respondeu  com uma frase seca que ainda hoje assombra os meus pensamentos: “Enquanto meninos da sua idade lutam para aprender, você joga fora as oportunidades”. Envergonhada sai daquela casa humilde e nunca mais perdi um só dia de aula. E, o mais importante, a valorizar cada oportunidade de conhecimento.

São tantas as guerreiras de minha cidade. Branca Amélia, com seu sorriso cativante; minha avó Iracema, que viveu a valentia de transgredir as normas da época; dona Cristina e sua sopas da tarde para a neta-filha Maria Dolores e que eu sempre filava. Entre uma baforda e outro em seu cigarro de palha, nos presenteava com relatos de outros tempos; dona Socorro apresentou à minha geração a diferença entre o u do w e os números da matemática. Mulheres que transformaram Saboeiro com seus ideais de sociedade, tão bem representada por irmã Lúcia, que nos despertou para os problemas sociais. O corpo frágil escondia a força da fiel seguidora do Evangelho e da Teologia da Libertação. 

Várias mestres influenciaram minha caminhada. Tia Zuleide, diretora rigorosa do único colégio, grande incentivadora para os estudos e exemplo. Tia Águeda, continua influindo e acompanhando nossos passos, sempre com palavras de apoio e atitudes reconfortantes, mas 

Deixei por último para falar de uma pessoa fundamental em minha vida. Nasceu no Dia Internacional da Mulher, diria eu, para ser parabenizada duas vezes. Ela, certamente responderia, que veio nessa data para dividir as comemorações com todas as mães, irmãs, tias, primas, avós...

Meiga, chorona e amorosa, minha mãe Lúcia, tem dedicado toda sua existência no cuidar dos filhos e netos. Muito devo a essa senhora de 76 anos, que contrariou todas as previsões médicas e lutou ferozmente para que seu rebento caçula sobrevivesse as incertezas de uma doença sem diagnóstico. Brigou bravamente nos meus primeiros seis meses de vida para que a desnutrição e as dores não tomassem a minha alma e me levassem "para o céu".

Ao longo dos anos, dona Lúcia continua cuidando de minha e dos meus. Chora as minhas dores, festeja as minhas alegrias e vitórias. Hoje, continua zelando pela menina “raquítica”que teimava em viver e que renasceu muitas vezes graças a essa mulher de menos de um metro e cinqüenta de altura, olhar doce, palavra mansa e uma fortaleza que faz os gigantes tremerem.

Parabéns minha mãe Lúcia,  e a tantas avós Mundinha, tias Águeda, Zuleide, professoras Socorros e Mariainhas  pela coragem de remover pedras e plantar flores

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