terça-feira, 19 de março de 2013


Esperança e fé


O dia amanhece diferente em casa. Minha mãe Lúcia e tia Zuleide com terço nas mãos em súplica à São José para que a chuva caia sem parar no Ceará. Rogam ao santo padroeiro para que o sol se "arretire" e dê passagem a água que banha os sonhos e ilusões de sertanejos sofridos e penitentes. Igual a Riobaldo, de Grande Sertão: Vereadas, elas trazem na alma o sertão, suas dores, promessas e amores. 

Experientes e experimentadas pela vida de mais de sete décadas, mães, avós e bisavó nasceram sob a sina da seca e as atravessa com dores e rezas. No olhar impetrante, tomam a retina as cenas de pessoas castigadas, enrugadas e amarguradas pelas secas e que, de escassez em escassez, vê a própria vida secar por falta de oportunidades de trabalho e do comer.

Na seca de 58, ainda jovens, faziam promessas e novenas à Nossa Senhora da Purificação para que intercedesse por aquela terra árida e esquecida. Atravessaram as de 83, 93, 98 e a do ano passado sofrendo com o marmeleiro que não conseguiu voltar à vida. Choraram o mandacaru mutilado pelo golpe da foice para alimentar o gado que vai deixando sua carcaça no caminho de fome e dor. Pensam elas, lá com seus botões e as contas dos rosários, se esse será mais um ano de aroeira com galhos secos, esticados para o céu como a clamar por aqueles que ainda resistem e esperam a chegada da chuva. 

A seca traz a esse povo humilde e humilhado a fome de dignidade. Fenômeno natural no Nordeste brasileiro, transforma o problema social em político. Promessas, nunca cumpridas, são feitas por governos indiferentes e políticos que se aproveitam para ganhar espaços na mídia e votos nas eleições. Transformam homens fortes e trabalhadores em peças publicitárias. Por essas bandas nunca chega a solução para a secura que abate o sertão que grita feito o canto do Assum Preto. 

Transforma em drama a vida de sua gente. Milhares de cearenses enfrentam a falta de alimentos, água e respeito. Sem espaço e pela sobrevivência, o valente sertanejo vira pedinte nas ruas das grandes cidades. Envergonhado, ocupa os cruzamentos das avenidas por uma esmola rebolada no chapéu de palha por indiferentes motoristas. Acostumado a lida no campo, as intempéries da vida, grita soluções para ouvidos moucos e almas insensíveis. 

Luiz Gonzaga as traduziu nos versos de Vozes da Seca: "...Mas doutô uma esmola a um homem qui é são/ Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão/ É por isso que pidimo proteção a vosmicê/ Home pur nóis escuído para as rédias do pudê...  Dê cumida a preço bom, não esqueça a açudage/ Livre assim nóis da ismola,/ que no fim dessa estiage lhe pagamo inté os juru sem gastar nossa corage/ Se o doutô fizer assim salva o povo do sertão/ Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação!/ Nunca mais nóis pensa em seca, vai dá tudo nesse chão/ Como vê nosso distino mercê tem nas vossa mãos”.

Mas, o padroeiro do Ceará parece compadecido desse povo. São José traz alento para as duas matronas e seus conterrâneos, que genuflexos rogam sua piedade para que molhe a caatinga. Para eles, não importa se o 19 de março coincide com a passagem do equinócio (a duração do dia é idêntica à da noite e os hemisférios Norte e Sul recebem a mesma quantidade de luz). O que realmente interessa é que o santo atendeu às rogativas. Na madrugada de hoje, Saboeiro teve de volta sua face viçosa e terna. Não se sabe se os pingos de água que caem do céu garantirão o alimento necessário para aqueles que ainda suspiram. Mas trouxe esperança.

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