sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Noites sem cor

Noites sem lua me assustavam. A imaginação me levava a crer que as assombrações, à espreita, aguardavam para atacar. Parecia eu uma vivente medrosa. Muitos padres nossos e ave marias debulhados debaixo do lençol para espantar os fantasmas que teimavam em amedrontar o sono em pesadelos de assassinatos, brigas, vidas inexplicadas. À mãe, cabia velar o sono com histórias de cinderelas, gato de botas, reinos encantados.


Ainda menina pequena, tentei fugir da escuridão e enfrentar esse perigo contagioso. Madrugada adentro, a casa se iluminava com a chama da lamparina. O problema é quando precisava passar a noite sem cor na casa de amigos, parentes. Era uma dor. Carregava na bagagem o medo, vergonha e algumas velas para alumiar a imaginação. Encabulada, ensaiava a falação sobre dormir no claro. Buscava Manuel António Pina para justificar a situação constrangedora. “Seria capaz de não ter medo de nada, nem de algumas palavras juntas?”


De todas as muitas, alegres e difíceis situações vividas na infância e adolescência, a mais constrangedora que a imaginação me permite encontrar no baú das lembranças foi uma noite de festas em Aiuaba. Cidade lá do sertão dos Inhamuns que acolheu meus pais como uma mãe adotiva que escolhe a criança para amá-la por toda a sua existência.


Ainda se achegando à cidade, meu pai construiu um pequeno apartamento para seu conforto e de minha mãe. Nas visitas que fazíamos, eu e meus irmãos, sempre acompanhados dos primos e primas, éramos arranchados nas casas dos amigos.


Em um dezembro da década de 1980, o forró corria solto no salão paroquial. Dança, conversas soltas, paqueras. Lá pelas 2 da madrugada, o cansaço toma conta do corpo. Hora de dormir. Eu e minha prima Adailta fomos para a residência de um casal amigo de meu pai. Armamos as redes no quarto. Pouca intimidade tínhamos com os anfitriões. Primeira vez de hospedagem na casa. A luz acessa na sala de visitas dava-me o conforto do sono sem sobressalto. Doce ilusão.


Foi só fechar os olhos e... pronto. Energia acaba. Maldita usina de Paulo Afonso. Vez ou outra, o gerador pifa e a eletricidade vai embora. Desespero. Num só pulo, estou ao lado da salvadora bolsa de bagagens. Amedrontada, tateio a procura da vela. Alívio. Lá está o maço encostadinho da caixa de fósforos. No desespero, acendo duas de uma vez só. Para garantir que o quarto continue alumiado até o dia raiar.


Satisfeita, deito-me. É quando Adialta, que acompanha a arrumação, acaba com a festa.


- Pra que as duas velas?”, dispara


- Ora, para quando uma acabar, a outra continuar iluminando”, responde no alto de minha sabedoria


- Avisa a uma delas para continuar acessa, já que elas foram acessas juntas, devem apagar juntas”, brincou Adailta e foi logo se enrolando e dormindo.


Pra que aquela observação? , pensei eu, que fiquei o resto da madrugada vigiando as chamas das velas.


O medo do escuro da noite só foi embora após anos de análise. Não sei como chegou e nem como partiu. Simplesmente, sumiu.

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