terça-feira, 6 de setembro de 2011

Amor à Pátria!

Alvorada festiva anuncia o dia especial. A cidade acorda cedo. Burburinho de crianças correndo ladeira acima em direção ao Grupo Escolar Olavo Oliveira. As mães, socorrendo os mais atrasados, preparando o café da manhã reforçado. Os homens formam rodas de conversa nas praças. É um vai-e-vem de carros, cavalos, algumas poucas motos. As professoras carregam, orgulhosamente, as fantasias ricamente produzidas pelas costureiras da cidade.

Lá em casa, também levantamos cedo. Ao contrário do restante da população, não estou nem um pouco entusiasmada e o banho com água gelada para despertar só piora o mal humor. E a roupa quente de brim azul escuro, sandália frouxa no pé miúdo, são prenúncio de que aquele será um dia difícil. Para minha irmã, a glória. Ela será dona Leopoldina, a Imperatriz do Brasil.

No entender de meu irmão, mais um momento de farra. Depois de meses de ensaio, vai tocar clarinete por mais de três horas seguidas. Coitado, não sabe o que o espera. Aliás, ninguém em Saboeiro poderia prever uma festa cívica tão bonita. O povo inteiro se aglomera nas proximidades do grupo escolar, acompanhando o perfilamento dos alunos. Os mais altos na frente. Os baixinhos atrás.

Naquele 7 de Setembro, desfilei no pelotão das Bandeirantes, numa referência aos sertanistas de São Paulo que penetraram os sertões brasileiros em busca de riqueza mineral. Ficava eu à frente do grupo ao lado Dolores. Acho que fomos escolhidas por ser eu sobrinha e ela enteada da diretora.

Sol alto, calor infernal anunciam que já passa a hora do desfile. O toque dos tambores anuncia o início da marcha. Lá vamos nós ladeira acima, ladeira abaixo batendo os pés no mesmo sonambúlico compasso. Suor pingando, pés maltratados pelas pedras portuguesas, sede, muita sede. Nada de olhar para os lados. As professoras, sob orientação da diretora, vigiavam a todos. Era o quartel ao ar livre, sob a complacência dos pais orgulhosos com os filhos sofridos e doloridos.

Vale tudo pela pátria. Não, não nego o meu patriotismo, respeito e amor ao Brasil. Mas aquilo era tortura. Saboeiro, cidade perdida no sertão cearense, não seria cobrada pelos militares se poupasse o futuro da Nação. Uma, duas, três horas de marcha e ainda fazendo coreografias. Não escaparam nem mesmo as ruelas. O pior foi subir a ladeira do pecado. Íngreme e cheia de buracos, maltratava até os mais fortes e calejados pés. Já não agüentava mais. No alto dos sete anos, meus pensamentos viajavam para longe. Como me libertar daquela situação sem castigos.

Chegamos à praça Monsenhor Manoel Cândido. Ponto alto da festa. Dom Pedro I, barba e costeletas pintadas com carvão, surge imponente em seu alazão vestindo uma capa dourada. Mais um mentira da história reproduzida durante anos pelas escolas Brasil afora. Naquela tarde de 7 de Setembro de 1822, o futuro Imperador parou às margens do riacho Ipiranga para aliviar a dor de barriga. Ao ler as cartas de sua esposa e futura imperatriz Leopoldina e de José Bonifácio, sobe em seu pangaré e declara a independência do País.

Voltemos a Saboeiro. Na rua Visconde do Icó, olhando para o rio Jaguaribe, surge o nosso imperador. Expectativas. O estudante de 15 anos empunha a espada e grita “independência ou morte”. É o grito de liberdade. A liberdade de crianças estropiadas da marcha cívica. Saio em disparada e sou acompanhada pelo pelotão das Bandeirantes e de boa parte dos alunos, que acreditam ter acabado o desfile. 

Foi um Deus nos acuda. Em casa, reprimendas, castigo. No Grupo Escolar, repreensões, censura. Não me arrependo de ter me rebelado, na inocência de criança, contra a repressão de adultos a quem admirava e continuo respeitando e amado. Ainda hoje, não gosto e não costumo acompanhar o desfile de 7 de setembro.

Um poema de Olavo Bilac

A PÁTRIA
Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!
Criança! não verás nenhum país como este!
Olha que céu! que mar! que rios! que floresta!
A Natureza, aqui, perpetuamente em festa,
É um seio de mãe a transbordar carinhos.
Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos,
Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!
Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!
Vê que grande extensão de matas, onde impera
Fecunda e luminosa, a eterna primavera!
Boa terra! jamais negou a quem trabalha
O pão que mata a fome, o teto que agasalha…
Quem com seu suor a fecunda e umedece,
Vê pago o sue esforço, e é feliz, e enriquece!
Criança! não verás país nenhum como este:
Imita na grandeza a terra em que nasceste!



3 comentários:

  1. Oh, Suzetinha, quer dizer que o não prestar vem de criança? Bjs.

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  2. So tu mesmo viu, Suzete!
    Tô rindo até agora só de imaginar a cena...
    Delicioso o texto e as lembranças mais ainda.

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  3. Eri, desde criança sou anjinho. Pode acreditar. E, Carol, as lembranças do passado feliz nos fortalece o caminhar. Beijos para as duas amigas, uma cãozinho e a outra meu anjo. Amo vocês

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