A emoção represada trouxe-me de volta ao blog. A vontade de
escrever ecoava no pensamento e gritava no coração. O desejo ficou mais forte
ao visitar, online, o museu de meu tio Robério. Percebo que tenho pressa em
recolher meu passado, minhas sobras, as sobras dos outros.
Ao longo de décadas garimpando pelo sertão cearense, nas casas de
parentes, amigos e desconhecidos que abriram suas portas e tesouros, tio
Robério foi resgatando a memória daquela gente simples e as lembranças da
infância e adolescência que teimam em se apoderar de seu ser. Percorro aqueles
objetos e me dou conta de que eles ali estão contando histórias, a minha
história.
Lá está minha antiga máquina de escrever Olivetti, companheira de
desafios quixotescos pelos sertão para contar histórias e fatos do dia a dia. É
quixotesco mesmo. Embrenhávamos no mato, subíamos serrotes, descíamos
ribanceiras à procura de riachos, famílias isoladas, gente sofrida. Cortávamos
estradas, veredas para falar da fome e sede nos tempos de seca braba; corríamos
léguas em estradas carrocáveis para nos defrontar com enchentes e desabrigados.
E por aí vai: invasões de terras; políticos prometendo mundos e fundos em
período eleitoral; abalos sísmicos, sonhos interrompidos pela violência,
trabalho escravo, corrupção etc.
Presente de meu pai, o objeto desapareceu de casa. Só agora descubro
que minha mãe, no ato de bravura e desprendimento, deu a velha máquina ao
cunhado. Acreditando ela que estaria segura. “Não se perderia”, argumentou ao
ser questionada do feito.
Minha memória afetiva se apropria do rádio de pilha semelhante ao que
embalava as noites escuras da infância em Saboeiro na casa do avô Manoelito. O
ranço do passado está presente. Voltam as imagens da menina franzina correndo
entre os cômodos da casa do século XIX de seus avós ou desafiando o medo de
altura ao se debruçar em uma das janelas do casarão onde vivia com os pais e
irmãos para apreciar, lá do alto, o movimento no mercado público e na praça da Igreja.
As imagens se misturam aos objetos. As vivências estão emolduradas nos
mais belos sentimentos. Pessoas queridas voltam do passado para gritar o seu
presente e brincar de esconde esconde na busca do futuro.
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